Maria Angélica Dinelli, ex-funcionária da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), não se esquece do prazer de ter passado 29 anos trabalhando na Unicamp. Mas seu início profissional foi mesmo na Santa Casa de Campinas, onde ingressou em 1965. Como secretária, sempre esteve a par das grandes decisões da Faculdade. Riu e chorou com os impactos produzidos em sua área. Procurava colocar sentimento em tudo o que fazia e orgulha-se de ter sido a primeira integrante do Coral da FCM. Vê com bons olhos o fato de ter sido chamada protetora dos estudantes.
Cheguei na Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas no dia 15 de março de 1965. A minha primeira atividade na verdade foi desenvolvida na Faculdade de Medicina, não na Faculdade de Ciências Médicas de anos mais tarde. Eu ficava lotada na diretoria da Santa Casa. Meu primeiro diretor foi o então vice-reitor da Universidade de Campinas, o oftalmologista Antonio Augusto de Almeida. Atuava na área administrativa: fazia contratos, cuidava da freqüência de alunos e funcionários.
O convívio na Santa Casa foi sempre maravilhoso. Tínhamos muito respeito uns pelos outros. Haviam sim alguns desentendimentos, mas o que fazíamos era viver realmente a medicina, que é algo que está se perdendo um pouquinho hoje em dia. A gente vivia o que se estava fazendo aqui, no momento, com amor à medicina.
Os docentes daquela época ensinavam com dedicação. Eu admirava muito o professor Antonio Augusto, um ser humano que me recebeu com muita amistosidade. Admirava também o professor Fonseca, do Departamento de Clínica Médica. Ele era bravo e enérgico. Só que, apesar disso, a primeira turma aprendeu muito com este professor.
Os alunos eram tão unidos que era lindo de se ver. De cara, fiquei amiga deles. O professor Almeida e outros professores brigavam muito comigo, pois eu ficava muito envolvida com esses jovens. Então eles diziam que eu os protegia. E de fato protegia, tanto que lhes oferecia até a minha sala, que também era a dos professores. No final das contas, aquela ficou sendo a sala dos alunos. Era engraçado de ver.
Assistia aulas de várias disciplinas, com a permissão dos professores. Quando os alunos iam visitar, por exemplo, alguns laboratórios farmacêuticos, eu ia junto. Usava o crachá de aluna de medicina e me misturava a eles. Alguns até me chamavam de doutora. Gostava de sair junto para atendê-los em suas solicitações administrativas. De quebra, o lazer ficava garantido. Eu era como qualquer um deles e isso sempre gerou muito ciúmes, tal a minha afinidade com os alunos.
Criamos amor também pelos pacientes, na época os indigentes, que a gente pegava na rua e trazia para se tratar. Inclusive uma cena muito marcante na minha vida foi a de um paciente que pulou da janela, passou pela minha e caiu estatelado no chão. Quem tratava dele era o cardiologista Dr. Antonio Prado Fortuna. Nunca vi uma pessoa chorar tanto como o Dr. Fortuna. E não foi só ele: outros pacientes, outros médicos e alunos igualmente. Dava a impressão de que era alguém da família deles.
Realmente a Unicamp para mim não é uma mãe – é uma sagrada família. Eu a amo e sinto que hoje, infelizmente, falam pouco dela na mídia. De primeiro, a gente ouvia falar muito. Ser médico, aluno, funcionário da Unicamp era uma glória. Valia muito. Afinal, temos grandes cientistas, grandes médicos, engenheiros, etc.
Tenho a impressão de que atualmente está se perdendo muito daquela visão. Mas pode ser exagero meu. Com a idade, a gente fica muito sentimental e tem saudade do passado. Sou, porém, favorável à modernidade.
Uma coisa que marcou muito a época foi a formação do primeiro coral da Faculdade, pelo Dr. Décio Silveira Pinto de Moura, psiquiatra. Eu fui a sua primeira integrante. Levamos boa música para vários lugares.
Quem trabalha na Unicamp deveria fazer de sua atividade um ato de amor. Aqui permaneci 29 anos. Gibran Khalil Gibran disse: “quem trabalha sem amor, é preferível ficar numa escada recebendo esmola para aqueles que trabalham com amor”. Meu recado para quem atua na FCM é que todos – professores, alunos e funcionários – trabalhem com este sentimento. Ele é o principal.