Marilce Baltazar dos Santos fez a sua história no Departamento de Anestesiologia da FCM. Chegou a Santa Casa, antiga sede da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em 1972, como estagiária de escrituraria. Mas, sua trajetória na Universidade está intimamente ligada ao Departamento de Anestesiologia. Foi lá que fez amigos e construiu sua vida profissional.
O outro lado da senhora Marilce Baltazar dos Santos é a luta pela isonomia de direitos dos funcionários da Universidade. Dirigiu a ASSUC (Associação dos Servidores da Unicamp) e acredita ter feito muito pelos colegas de trabalho. Despendeu suas forças para que os funcionários tornassem reais alguns de seus ideais trabalhistas e com isso crescessem junto com a Universidade que se iniciava. Sempre com um belo sorriso no rosto. Esse sim, o seu cartão de visita.
O trabalho sempre foi meu cartão de visita
Comecei na Unicamp como estagiária de escriturária. Tenho muitas lembranças de lá, pois era um período difícil, mas um período muito bom. Era difícil, em virtude das acomodações, da falta de verba constante. Tudo era adaptado, cada dia mais se construía um mezanino em algum lugar, ou se fazia uma rampa no outro, mas lá a Faculdade de Medicina começou, nasceu, cresceu e tornou-se adulta. Comecei trabalhando na secretaria com a Lucinha Tojal, uma grande amiga. Depois fui trabalhar no Departamento de Anestesiologia, trabalhar com o “bicho-papão”, que era o Doutor Álvaro Eugênio (Professor Doutor Álvaro Guilherme Benzeril Eugênio, ex-chefe do Departamento de Anestesiologia, já falecido) Trabalhei muitos anos com o Doutor Álvaro Eugênio e nos demos muito bem.
Para se ter uma idéia de como eram difíceis as condições de trabalho, houve um dia em que entrei em uma das salinhas que tínhamos no corredor na Obstetrícia e o Doutor Francisco Alves Pereira estava dormindo sobre a mesa, porque não haviam leitos suficientes para todos os residentes e para os médicos plantonistas e ele estava de plantão.
Outra passagem que me lembro bem: Trabalhávamos aos sábados e um dia e estávamos, eu e a Dulcília de plantão, o telefone tocou e eu atendi: Fala, bicho! Era o “gentleman” do professor Lopes (o anatomopatologista José Lopes de Faria). Ele disse: Dona Marilce, a senhora pode comparecer a minha sala. São coisas que faziam do nosso dia a dia um pouco melhor.
Dentro do Departamento de Anestesiologia, apesar das pessoas acharem que trabalhar com o Doutor Álvaro Eugênio era muito difícil, que gostava das coisas, corretas, limpas, prontas na hora em que ele precisasse. Ele era um perfeccionista. A partir do instante em que nós nos enquadrávamos nesse perfil, conviver com ele não era nada difícil. Aprendi muito trabalhando com ele.
No início eu era a única funcionária depois recebi o Ademar Barbosa, grande Ademar, que entrou como office boy na Faculdade. Depois recebi a Madalena, excelente garota para trabalhar. Madalena vinha da Matemática, como servente. Veio para me ajudar na secretaria e terminou secretária do reitor.
Tenho boas lembranças do Departamento de Anestesiologia. Sempre fui muito bem tratada, meu trabalho sempre foi muito respeitado. Não tenho reclamação alguma. Há muitas pessoas a quem devo muito. Não quero correr o risco de esquecer de ninguém, por isso não vou nominá-las.
Não existia o Departamento de Anestesiologia. A disciplina fazia parte do Departamento de Farmacologia. Ela era uma disciplina do Departamento, quando cheguei na Faculdade de Medicina. Mas já tramitava um processo para que essa disciplina Se transformasse em Departamento. O Doutor Álvaro Eugênio, com toda a capacidade de articular pessoas e influências, lutou até conseguir este objetivo. Tivemos logo no início os professores Francisco Pereira, o Doutor Ícaro Zaffa Lombosa, a Doutora Glória Maria Braga Potério, a Doutora Neusa Júlia Pansardi Pavani, que foram os primeiros anestesistas na Faculdade de Medicina que tive contato.
A Faculdade de Medicina acabou crescendo e tomando conta da Santa Casa e quase que de todo o Irmãos Penteado. Vários Departamentos estavam sendo criados e estavam ficando todos repartidos. O Departamento de Medicina Preventiva funcionava na Cruzada das Senhoras Católicas, o vaivém de peruas, levando e trazendo material, aqui para a Unicamp, porque todos os exames eram feitos na Biologia. Isso demandava um custo muito grande e também um grupo maior de pessoas trabalhando. A Emergência funcionava, muito acanhadinha na Santa Casa e ali muitos milagres foram feitos. O Departamento de Raio-X era modesto, apertado. Tudo era muito pequeno naquele espaço da Santa Casa para nós. Foi um período em que crescemos muito, com muitas dificuldades, mas que aos poucos e com lutas foram sendo superadas. Aprendemos também a valorizar, porque quando passamos para uma estrutura um pouco melhor não conseguimos esquecer o que passou.
Outro fato muito engraçado que aconteceu na época, foi quando na “xeretice”, abrimos a porta da salinha de autópsia, que fica bem lá no fundinho. O Orlando Alves que era o funcionário que trabalhava lá, tinha saído um pouquinho, e resolvemos fuçar na sala dele e demos de cara com um corpo. Saímos de lá em disparada, na gritaria. O Orlando era uma pessoa muito querida, mas teve de ser afastado e para o seu lugar veio o senhor Álvaro Reinaldo de Freitas. O senhor Orlando já faleceu, mas ainda está muito fresco na minha memória.
Ali mesmo na Faculdade de Medicina da Santa Casa, comecei a minha militância política, dadas as circunstâncias em que estávamos vivendo. Cheguei na Santa Casa em 1972 e vim para a Unicamp no começo de 1986. Foram 14 anos trabalhando em um lugar provisório.
Precisávamos mudar as condições de trabalho dos funcionários. Comecei a participar um pouco mais da ASSUC (Associação dos Servidores da Unicamp), que era o nosso sindicato na época. Entrei em uma das chapas, acabei vencendo a eleição e o trabalho começou ali. Conseguimos apressar algumas coisas, agilizamos uma maneira de chegar à alimentação até nós, o passe para pagar o transporte. As coisas foram melhorando quando começamos a participar efetivamente dessa situação política da Faculdade. Conseguimos implementar a creche. Também a pré-escola e o supletivo. As pessoas diziam: Marilce porque você está lutando para isso se seus filhos não têm mais idade para freqüentar a creche. Eu respondia: Eu não tenho, mas os outros funcionários têm. Não podemos lutar só por aquilo que vai beneficiar a si. E essa sempre foi a minha tônica.
Costumo dizer que não passei pela Universidade em brancas nuvens, deixei aqui as minhas marcas. Além do meu trabalho, que sempre foi o meu cartão de visita, sempre tive a possibilidade de fazer um trabalho político, valorizando e ajudando muito mais os meus colegas.
Entrei como escriturária, depois fui chefe de seção, fui secretária e por último fui diretora de serviço. Cresci muito com pessoal da Anestesia. Foi com eles que aprendi a fazer pesquisa, acabei aprendendo a fazer um trabalho acadêmico, de tantas vezes que tivemos que fazer isso. Fazia estatística do Departamento. Estatística era o movimento que tínhamos que fazer de toda a cirurgia que acontecia no dia, o tipo de cirurgia, o tipo de anestesia que foi usada, o tipo de droga usada e quem foi o anestesista que fez. No fim do mês sabíamos exatamente como foi o movimento do Departamento. Isso era a menina dos olhos do Doutor Álvaro. O professor Aquiles Pedrabuena que fazia o tratamento estatístico das pesquisas. O Departamento produzia muita pesquisa. Iam muito a congressos, jornadas e isso demandava um serviço muito grande para o Departamento.
Houve um tempo que fiquei na Comissão de Avaliação, junto com a Odila da Costa Mansur. Foi um trabalho que durou muitos anos. Fiquei um tempo na Reitoria, com a Deise e o Professor Carlos Vogt (Reitor da Unicamp de 19.4.1990 a 18.4.1994) e depois vim para a Faculdade de Medicina . Na época já era o Magna (Professor Doutor Luis Alberto Magna, diretor da Faculdade de Ciências Médicas de 1990 a 1994), nosso diretor. Desde o meu primeiro dia nessa Universidade, até o último, granjeei amigos.
Queria deixar uma mensagem para as pessoas que estão trabalhando, estudando. Que amem essa Universidade, que amem essa Faculdade de Medicina, porque ela não é nossa, ela é do povo. É aqui que se formam, nossos médicos, nossos enfermeiros, nossos funcionários que começam garotos e acabam aqui adultos. Façam por ela tudo que for possível, porque na pior das hipóteses você está ajudando seu próximo e a Universidade também. Tenho boas lembranças, para mim foi ótimo trabalhar aqui. Para mim a Universidade foi uma mãe. Se tivesse que voltar atrás faria tudo de novo, exatamente como eu fiz. Foi muito bom trabalhar com Renato Fagundes, Laerte De Angelis, com a Lucinha Tojal, com a Dulcília, com a Angélica. Quero deixar todo o meu carinho ao pessoal da Anestesia, jamais vou esquecer deles. Quero deixar para todos um abraço e um beijo bem grandão.
Entrevista concedida a Eduardo Vella