Desde 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem chamando atenção para mudanças no cenário epidemiológico, com a relevância da atenção às doenças crônicas em crianças e adolescentes.
O Ministério da Saúde (MS) do Brasil, na sua Portaria 483, de 1/4/2014, estabeleceu uma política pública para o cuidado das doenças crônicas conceituando-as como condições de longa duração, em geral incuráveis, não transmissíveis, podendo deixar sequelas, impor limitações às funções do indivíduo e requerer adaptação.
As doenças crônicas consistem em problemas que demandam tratamento contínuo, de longa duração, exigindo cuidados permanentes.
No Brasil, dados do IBGE mostram que entre 9% e 11% das crianças e adolescentes são portadoras de uma doença crônica. Nos Estados Unidos, 43% das crianças – cerca de 32 milhões – vivem, atualmente, com pelo menos uma das 20 doenças crônicas mais comuns na infância.
Para todas as doenças crônicas a visão de saúde deve se relacionar com qualidade de vida porque a maioria não tem cura e continuará na idade adulta. A quantidade de estudos e de diretrizes de cuidado voltados às doenças crônicas em adultos é muito superior à observada em crianças e adolescentes. Existem muito mais estudos, portarias e diretrizes em adultos do que em crianças. Tal desigualdade necessita uma mudança de paradigma, para assegurar o cuidado de qualidade à população pediátrica.
É difícil estimar quão comuns são as doenças crônicas devido à heterogeneidade nas definições em diferentes estudos. Uma lista não exaustiva das doenças crônicas na infância e adolescência inclui: alergias, obesidade, asma, fibrose cística, doenças genéticas como a Síndrome de Down, cardiopatias congênitas, diabetes, anemia falciforme, desnutrição, infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, deficiência de desenvolvimento neuropsicomotor, paralisia cerebral, consequências da prematuridade e baixo peso ao nascer, doenças mentais, epilepsia, cânceres, doenças renais e doenças reumatológicas e outras.
Ao longo da vida, as doenças cursam em fases: diagnóstico (podendo ser antecipado pela triagem neonatal), sinais e sintomas clínicos e laboratoriais, fase crônica, exacerbações e fase terminal. Tais fases suscitam, nos pacientes e cuidadores, reações emocionais diversas, como sentimento de culpa, medo, angústia, depressão, apatia e ameaças a rotina do dia-a-dia.
É fundamental o reconhecimento que as doenças crônicas não têm cura, mas podem apresentar controle com o manejo adequado.
Sempre que possível, o cuidado deve ser realizado por equipes multidisciplinares, interdisciplinares e, de preferência, transdisciplinares. Os programas de cuidado devem envolver profissionais como pediatras, médicos da família e da comunidade, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, educadores físicos, psicólogos e agentes comunitários, evitando, dessa maneira, a centralização excessiva. Adicionalmente, os profissionais de saúde devem desenvolver habilidades para transmitir ao paciente com doenças crônicas e seus cuidadores informações de forma simples e compreensível.
Os familiares e os membros das equipes de saúde devem ter em mente que as crianças com doenças crônicas podem apresentar redução na sobrevida e cuidado clínico e psicossocial por toda a vida.
Um grande desafio atual é a inclusão de cuidado de qualidade para as doenças crônicas na Atenção Básica devido à alta prevalência, etiologia multifatorial com componentes genéticos, ambientais e socioculturais. A abordagem, para ser efetiva, necessariamente envolve equipes de saúde, com protagonismo e interação com os pacientes, suas famílias e a comunidade.
Nesse contexto, o MS vem desenvolvendo 13 diretrizes, metodologias, instrumentos de apoio às equipes de saúde e realizando esforço para que se organize a Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas. As 10 etapas fundamentais para o cuidado de crianças e adolescentes com doenças crônicas incluem: 1) Diagnóstico precoce e correto; 2) Acompanhamento por toda a vida; 3) Acesso ao manejo interdisciplinar; 4) Cuidado centrado em diretrizes baseadas em evidências científicas sólidas; 5) Acesso a medicação de alto custo; 6) Avaliação de comorbidades; 7) Manejo das exacerbações; 8) Atenção à qualidade de vida; 9) Apoio à inclusão social e a não discriminação e 10) Apoio aos cuidadores.
José Dirceu Ribeiro é professor titular do Departamento de Pediatria da FCM e pesquisador do Centro de Investigação em Pediatria (Ciped)