O pediatra José Martins Filho é autor de 11 livros voltados para a amamentação, relações familiares e desenvolvimento infantil. Durante mais de 20 anos, trabalhou na Maternidade de Campinas, foi professor e chefe do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), responsável pela área de neonatologia do Hospital de Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) e reitor da Unicamp.
Árduo defensor da amamentação há mais de 40 anos, Martins afirma que o pediatra de hoje não pode só tratar de doenças infantis. Ele precisa entender as problemáticas sociais, conhecer o crescimento e o desenvolvimento infantis e as suas relações com o meio ambiente, com a sociedade e, particularmente, com a sua família.
Escolhi a pediatria por uma opção filosófica e pessoal. Sou, ainda, pediatra à moda antiga: consultas de mais de 50 minutos em média e conversa detalhada com os pais. Minha mais atenta veia está ligada à pediatria social, à puericultura e ao aleitamento materno”, conta Martins, que foi presidente da Academia Brasileira de Pediatria.
Martins concedeu entrevista ao Boletim da FCM e falou abre a atual pediatria brasileira, a importância dos primeiros mil dias de uma criança, o avanço das tecnologias, o uso excessivo de exames clínicos e as doenças do século XXI que desafiam as novas gerações de pediatras.
Boletim da FCM – Qual a importância da pediatria no contexto da saúde pública brasileira?
Martins – Somos um país de terceiro mundo, com uma população infantil grande. Sabemos que uma infância adequada, feliz, bem tratada e bem nutrida é fundamental para o futuro dela própria, da família, da sociedade e do nosso país. Não se pode falar em saúde pública sem falar em cuidados infantis e gestacionais. Cuidar das crianças, alimentá-las, amamentá-las, vaciná-las e educá-las é fazer muito pela saúde publica brasileira!
Boletim da FCM – A sociedade tem mudado nos últimos anos. A pediatria acompanhou essas mudanças ou não?
Martins – Sim, a pediatria avançou muito tecnologicamente, principalmente na área diagnóstica e laboratorial. O pediatra hoje não pode só tratar de doenças infantis, ele precisa avançar mais, entender as problemáticas sociais, conhecer o crescimento e o desenvolvimento infantis e as suas relações com o meio ambiente, com a sociedade e, particularmente, com a sua família.
Boletim da FCM – A formação dos novos pediatras tem acompanhado essas mudanças?
Martins – A formação de nossos residentes ainda é muito voltada para a patologia infantil e para a doença. A área preventiva fica apenas nas imunizações. A pediatria evoluiu muito nas especializações, como cardiologia, neurologia, gastroenterologia e pneumologia, mas pouco se dá de formação para a questão psicossocial e neurofisiológica do desenvolvimento infantil, principalmente nos primeiros mil dias de vida, que é uma época fundamental para o resto da vida.
Boletim da FCM – Podemos afirmar que hoje há uma nova pediatria no Brasil?
Martins – Em termos tecnológicos sim, mas acho que temos que avançar mais na área da visão integral das crianças inserida na sociedade e entender que pediatria bem feita e o acompanhamento adequado dos pais e da família são prioritários para o futuro da sociedade e do mundo.
Boletim da FCM – E como podemos avançar nesse campo?
Martins – Quando dou aulas para estudantes de medicina e médicos-residentes, me dou conta de que eles estão carentes da visão afetiva, amorosa e intensa que deve caracterizar o pediatra. Temos que vender essa imagem para os nossos estudantes e residentes para que, verdadeiramente, a nova pediatria aconteça.
Boletim da FCM – Você é adepto das novas tecnologias diagnósticas ou a antiga forma de consulta ainda é a melhor?
Martins – A tecnologia é bem-vinda porque ajuda no diagnóstico, mas eu sou ainda pediatra a moda antiga: consultas de mais de 50 minutos em média, conversa detalhada com os pais para encontrar respostas a seus anseios e ajudá-los. Eu brinco com os alunos que me assusta o que chamo de kits pronto-socorro.
Boletim da FCM – Você poderia explicar melhor?
Martins – Infelizmente, por conta do excesso de pacientes, nos pronto-socorros, às vezes o pediatra, sobrecarregado e preocupado em não errar e deixar de fazer um diagnóstico, acaba pedindo exames. Se ele tivesse tempo para rever a criança mais tarde ou no dia seguinte ou manter contato com a família, não pediria. Então, excesso de raio-X, de exames de sangue e até punções para obtenção liquórica acabam sendo muito usadas. Isso, além de molestar a criança, onera em muito os atendimentos, além de serem às vezes causadores de problemas. Sabemos que excessos de raio-X podem ser muito danosos para a saúde infantil.
Boletim da FCM – Quais doenças são mais prevalentes, atualmente, entre crianças e adolescentes?
Martins – No passado, desnutrições, desidratações, doenças infecciosas, respiratórias e gastroenterológicas eram muito prevalentes. Hoje temos como causas graves de mortalidade infantil os acidentes, a violência e as doenças oncológicas, como o câncer e a leucemia. Mesmo, assim, as doenças infecciosas se mantém, como a atual epidemia de sarampo. Em função das melhorias diagnósticas e tecnológicas, começamos a ter, com mais frequência, doenças raras e crônicas, como diabetes, asma, alergias respiratórias e gerais, nefro e hepatopatias.
Boletim da FCM – Como prevenir ou evitar essas doenças?
Martins – Boas práticas médicas em pediatria significam, como sempre, prevenção e atenção adequada. As vacinações, os exames periódicos, a melhoria da situação social e econômica e bons serviços diagnósticos à disposição são fundamentais.
Boletim da FCM – Do que depende a boa saúde da criança?
Martins – Depende de boa nutrição, educação e condições adequadas de vida. No caso das crianças, afeto, carinho e amor têm um papel fundamental.
Boletim da FCM – Que dicas você poderia dar para quem é pai de primeira viagem.
Martins – A presença dos pais na vida das crianças é muito importante. Filhos têm que ser educados, cuidados e preparados para a vida. Eu sempre falo nas minhas conferências: Educar dá trabalho. Se você não está tendo trabalho é porque não está educando.
José Martins Filho fez Medicina na USP e doutorado na Unicamp. Foi por 12 anos chefe do Departamento de Pediatria e diretor da FCM, de 1988 a 1990. Foi reitor da Unicamp de 1990 a 1994 e idealizador do Centro de Investigação em Pediatria (Ciped). É autor de diversos livros, dentre eles A criança terceirizada: Os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo e Cuidado, afeto e limites: uma combinação possível.