Trigésima turma: Um olhar de compaixão, gratidão e esperança
Quando aos 23 anos recebia meu diploma de médica pela Unicamp não poderia jamais imaginar que exatos 23 anos depois, estaríamos vivendo uma catástrofe de dimensões mundiais.
A palavra “catástrofe” tem a sua origem no grego “katastrophe”, que formada pelo prefixo KATA- (‘para baixo’), mais o radical -STROPHEIN (‘virar’), significa ‘reviravolta em expectativas, fim súbito’.
Exatamente como na palavra catástrofe tudo o que conhecíamos antes da pandemia, o que sentíamos, o que pensávamos e, sobretudo, como agíamos deverá mudar. E mesmo diante de tanta tragédia e tantas perdas estas mudanças podem e devem nos trazer paradoxalmente mais próximos da nossa própria humanidade e de valores que há muito tempo havíamos menosprezado.
O isolamento e o afastamento de parte de nosso trabalho e atividades quotidianas permite à muitos de nós obter finalmente um momento de reflexão e distanciamento. Assistindo dessa maneira nossa própria vida podemos aceitar a atual terrível sensação de impotência transformando-a em um dos mais nobres sentimentos humanos, a compaixão.
O sentimento de compaixão nos permite de compreender o estado emocional do outro e frequentemente combina-se à um desejo de aliviar o sofrimento de outro ser sensciente, demonstrando especial gentileza para com aqueles que sofrem. A compaixão nos permite ainda de nos proteger de sentimentos como o de opressão e angustia e nos ajuda a superar momentos de provação tendo como objetivo a ajuda ao próximo. Um sentimento que além de tudo é também prazeravelmente contagioso, criando desta forma a curva exponencial de ajuda, suporte e gratidão que tanto precisamos neste momento.
O fato de poder observar a vida como uma linha continua que esperamos não cessar durante a pandemia também pode nos ajudar a nos desenvolver como seres humanos e criarmos o tal virada da catástrofe como algo positivo para as próximas as próximas gerações.
Nestes momentos de isolamento físico pude viver o privilegio de reconectar-me com grandes amigos com os quais convivi durante os melhores anos da minha juventude. A tecnologia já nos havia aproximado há alguns anos, mas só agora diante da possibilidade de uma grande tragédia no nosso Brasil pudemos deixar um pouco as piadas de lado e deixar florescer esse maravilhoso sentimento de compaixão, colaboração e gratidão. Nosso inesquecível colega, Marcos Maldaum, que foi há 23 anos fora orador da nossa querida trigésima turma abriu passagem para que o tsunami da compaixão atingisse cada coração dos membros de nossa turma. Assim cada um, à seu modo e segundo suas capacidades pode contribuir para a melhoria da situação atual da saúde dos brasileiros. Nasceram então contribuições médicas e psicológicas entre colegas de diferentes especialidades. Temos agora na ponta dos dedos aquela ajuda que cada um tanto necessita neste momento. De maneira concreta, criamos também um fundo de doações da trigésima turma que arrecadou até esse momento a quantia de 31000 reais. Querido Marcos, você nos representa.
Esse é o momento, sem nenhuma dúvida, de olharmos a linha de nossa vida centrados no presente colaborando e nos entre ajudando,
Não devemos porem esquecer os momentos felizes do passado. No meu caso, muitos desses momentos foram vividos durante os 9 anos em que estudei e trabalhei no HC da UNICAMP entre graduação e residência. Nutro em mim uma gratidão eterna aos professores, colegas, amigos, pacientes, funcionários com os quais tanto aprendi. Mesmo vivendo há tantos anos em outro continente, em outra língua, em outra sociedade, a distancia de tempo e espaço não me afastara jamais da UNICAMP. Tenho certeza que com a formação que nos foi dada poderíamos exercer a medicina em qualquer lugar do mundo de cabeça erguida. Desejo e gostaria de contribuir para que as gerações futuras tenham o privilegio de um dia sentir este mesmo sentimento de orgulho e pertencência que me traz tanta gratidão. Obrigada queridos colegas por cada uma de suas contribuições. Vocês provam à cada dia o verdadeiro sentido da amizade.
Por fim, guardar um olhar de esperança no horizonte, em um futuro, que esperamos próximo, sempre será pertinente. Esperando e lutando para que as ligações que pudemos recosturar permaneçam. Para que a compaixão e a gratidão que pudemos finalmente exercer não serão nunca mais sentimentos desconhecidos de todos nós.
Daphne Rocha Marussi
Aluna da 30ª Turma de Medicina da FCM
Clinica de Saúde Mental da Mulher
Président de la Filiale du Québec et de L'Est du Canada de l'American Society Association
Professeure Agrégée d'Enseignement Clinique à l'Université de Sherbrooke