Terapia gênica pode transformar vida de pacientes com hemofilia, aponta estudo da Unicamp no The New England Journal of Medicine
Publicado no dia 17 de março, no The New England Journal of Medicine (NEJM), o editorial assinado por Courtney D. Thornburg – diretora médica do Centro de Trombose e Hemofilia do Center do Rady Children's Hospital de San Diego –, sobre um estudo conduzido no Hemocentro da Unicamp pela docente do Departamento de Clínica Médica (DCM) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Margareth Castro Ozelo, é promissor: A terapia gênica denominada valoctocogene roxaparvovec desponta como uma alternativa terapêutica que pode ser realmente transformadora e libertadora para pacientes com hemofilia.
“Sistemas de saúde, formuladores de políticas públicas, seguradoras, médicos e demais representantes da sociedade devem começar a preparar o caminho para essa nova realidade”, afirma Thornburg ao fazer um retrospecto das pesquisas científicas, nos últimos 30 anos, envolvendo o cuidado das pessoas com hemofilia A (deficiência de fator VIII) e hemofilia B (deficiência de fator IX) com terapia gênica. O método atualmente utilizado para hemofilia, consiste na introdução de um gene normal do fator VIII ou do fator IX em uma célula alvo dos pacientes, no caso as células do fígado, através de um vetor viral modificado, o vírus adeno-associado.
Em seu artigo, Courtney D. Thornburg explica que o tratamento das pessoas com hemofilia A grave (fator VIII < 1%) é feito com a administração de medicamentos visando o aumento dos níveis de fator VIII e assim prevenir ou controlar os sangramentos. Tal profilaxia pode ser intravenosa, com a administração de fator de coagulação, ou, subcutânea, com a aplicação do anticorpo emicizumabe. Apesar de oferecerem melhor qualidade de vida aos pacientes, com diminuição do sangramento, ambos os medicamentos apresentam alto custo e não impedem totalmente a ocorrência de novos sangramentos ou de artropatia crônica associada à dor, com consequente redução de mobilidade e restrição no estilo de vida.
Thornburg conta que o primeiro ensaio envolvendo o uso da terapia gênica ocorreu em 1999, em pacientes com hemofilia B, do qual a professora Margareth Ozelo também fez parte. O primeiro caso bem-sucedido de transferência gênica mediada por vírus adeno-associado foi reportado, em 2011, por um grupo de pesquisadores liderados pelo professor da University College London, Amit Nathwani.
No caso da hemofilia A, ela explica que o sucesso da terapia gênica foi mais lento, devido aos desafios envolvendo o tamanho do gene do fator VIII e à dificuldade do seu empacotamento no vírus vetor. Sendo preciso avançar para um tipo de tecnologia que possibilitasse um transgene menor e com maior expressão. Assim, ensaios da terapia gênica nos pacientes com hemofilia A, a partir da tecnologia AAV5-hFVIII-SQ (valoctocogene roxaparvove), tiveram início em 2015.
É neste cenário de ensaio do uso da valoctocogene roxaparvove que o estudo multicêntrico liderado por Margareth Ozelo está inserido, e que agora se destaca na publicação mais recente do NEJM. Trata-se do maior estudo de terapia gênica para hemofilia A no mundo. Ao todo, 134 pacientes com hemofilia A grave foram submetidos a dose única da valoctocogene roxaparvovec (6x1013 genomas vetoriais por quilo de peso), apresentando após o tratamento, em sua grande maioria, níveis de fator VIII na faixa da hemofilia leve (5 a < 40 %) ou a faixa de não hemofilia (≥ 40%), com melhora do fenótipo de sangramento.
Segundo explica a docente da FCM ao NEJM, ainda é preciso uma avaliação adicional para determinar a durabilidade de resposta à terapia, bem como os preditores de resposta, considerações importantes das quais os pacientes precisam, na hora de se decidirem pela terapia gênica. “A segurança é uma consideração chave em qualquer nova terapia e é de extrema preocupação em uma população devastada por produtos sanguíneos contaminados por vírus na década de 1980 e início de 1990”, complementa Thornburg em seu editorial.
É importante destacar que além desse estudo recentemente publicado, Margareth Ozelo participa de outros quatro estudos de terapia gênica para hemofilia. Até o momento, 34 pacientes já receberam esse tipo de tratamento no Hemocentro da Unicamp, sendo um dos centros com maior número de pacientes tratados com esse tipo de terapia avançada no mundo.
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