Educação e Aprendizagem no Brasil: “Ainda somos os mesmos”, afirma neuropsicóloga da FCM
Dados do último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, mostram que entre 2009 e 2010, 25% das crianças terminaram a 4ª série, analfabetas; 53% aprenderam o que era então considerado esperado pelo currículo; apenas 29% dos jovens que concluíram o ensino médio sabiam português, e 11% tinham conhecimento primário em matemática. Tais números, no entanto, representam a real situação da exclusão educacional e do analfabetismo no Brasil? Para Sylvia Maria Ciasca, coordenadora do Laboratório de Pesquisas em Distúrbios, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (Disapre) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a resposta é “não”.
“O Brasil pode cumprir determinadas regras propostas pelo sistema de Educação, mas os números nunca vão representar a realidade que nós encontramos dentro das nossas escolas. A impressão é que nós fazemos as metas, as colocamos em ação, mas nunca vamos à escola para verificar se a criança conseguiu atingi-las ou não. Somos campeões latino-americanos em repetência escolar, embora muitas acreditem que isso não ocorra no país, há um aumento agravante da desescolarização, e poucas crianças atingem o ensino médio”, disse a pesquisadora, durante o IV Encontro sobre Neurociências na Educação (NeuroEdu), realizado na FCM, no ínicio do mês.
Homenageada durante o III Congresso Internacional em Dislexia e Dificuldades de Aprendizagem que aconteceu em Portugal, no mês de março – pela sua atuação frente ao Disapre – Sylvia falou para o público do NeuroEdu sobre os processos neurocognitivos envolvidos nos processos de alfabetização e aprendizagem. A neuropsicóloga criticou a valorização das informações quantitativas, em detrimento dos dados qualitativos. “Enquanto isso acontecer, nós não teremos uma coisa chamada de ‘perfil educacional’ da criança, nem compreenderemos como isso se dá”, disse.
De acordo com a professora e pesquisadora da FCM, ler e escrever estão entre os fatores determinantes do fracasso escolar e devem ser melhor compreendidos. “Quando eu leio e escrevo bem, eu me permito articular conteúdos culturais, consigo expandir a memória, estimulo a produção independente de textos e, principalmente, determino os processos críticos de pensar, ou seja, me torno crítica em relação àquilo que vejo, ao que posso intervir e à forma como me comporto”.
Sylvia explicou, também, que o saber ler e escrever implica em fatores físicos e fisiológicos, e que os educadores não devem acreditar que tais habilidades são desenvolvidas, apenas, de forma pedagógica. “Saber ler e escrever depende de todo um desenvolvimento do indivíduo, que começa desde o nascimento e perdura até a morte, e que depende de vários fatores intervenientes do meio e de estímulos de motivação”, afirmou.
Exemplos desses fatores são a idade cronológica e a idade mental. “Costumo dizer que não adianta colocar o carro na frente dos bois, querer que a criança fale corretamente aos três anos de idade, já que ela não tem estrutura física e fisiológica para isso”, ponderou.
Cognição e inteligência
De acordo com Ciasca, qualquer pessoa que tenha um processamento cognitivo adequado conseguirá ler, mesmo que apresente um nível de inteligência inferior à média. “Hoje sabemos que para que isso ocorra, é necessária uma série de habilidades e funções corticais específicas. Precisamos sim, diferenciar um distúrbio de aprendizagem, portanto, orgânico, e que merece intervenção terapêutica, daquilo que é dificuldade escolar, portanto, pedagógico, e que merece intervenção escolar”, explicou.
Com o avanço do conhecimento científico, Sylvia disse que já é possível na atualidade, com o auxílio de equipamentos específicos, ‘enxergar’ o cérebro de uma criança enquanto ela lê. E, a partir disso, compreender a maneira pela qual ela processa a informação. Todavia, a especialista convidou o público presente a refletir sobre quanto desse conhecimento científico é válido ao professor em sala de aula.
“Na verdade, a resposta é que ele vale muito pouco, porque o professor não tem ferramentas para fazer a parte inicial da intervenção, que é separar o joio do trigo, ou seja, saber se a criança aprende bem ou mal, ou porque aprende de determinada maneira, ou ainda, se não aprende, porque isso acontece”, disse.
Para Sylvia Ciasca, a solução para os distúrbios e dificuldades escolares ainda é uma realidade distante e que precisa de mais atenção. “Nós continuamos a repetir os mesmos padrões, ditados sempre pelas mesmas pessoas. Embora as nossas escolas tenham mudado de aparência, como na letra de Belchior, elas “não enganam, não”, continuam as mesmas. Precisamos mudar a forma e o ato de pensar e, para isso, precisamos de uma série de fatores que nos auxiliem, principalmente, em relação ao nosso principal foco de atuação: a criança em sala de aula”, finalizou.