Já se vão mais de 40 anos desde que Ariano Suassuna convidou Antonio Nóbrega para integrar o Quinteto Armorial. Até os dez anos de idade, Nóbrega viveu em várias cidades do interior de Pernambuco, pois seu pai, médico sanitarista, era obrigado a mudar-se regularmente. Em 1969, quando já estava no Quinteto Armorial, se interessou pela música e pelo universo de dançarinos, cantadores, rezadeiras, emboladores, dos pacistas de frevo e dos mestres de bumba-meu-boi. Durante mais de dez anos, dediquou-se a aprender tudo o que eles faziam.
“Imagina um molecote de 19 anos conviver com alguém da altura de Ariano, em sua casa, local em que ele recebia outros escritores, artistas plásticos, poetas. Os ensaios se transformavam em verdadeiros saraus. Isso me despertou para a literatura brasileira e para uma formação intelectual paralela. Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa, é para mim uma bíblia. Tá lá na minha mesinha de cabeceira”, revelou Nóbrega.
Dessa ocasião até praticamente a morte de Ariano Suassuna, além da boa convivência e amizade, ambos estabeleceram, também, um vínculo artístico que se materializou em algumas peças musicais. A apresentação do show “Um recital para Ariano”, ocorrido na noite de quinta-feira (2), no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, reuniu romances, poemas, martelos agalopados, excelências, toques instrumentais marcados pela visão de um homem que transfigurou uma região seca, áspera e pobre no “mundo mágico, onírico e redentor do Sertão”.
A viagem musical conduzida por Nóbrega passou pelos romances d’A Nau Catarineta, d’A Filha do Imperador do Brasil, d’A Morte do touro, Mão de Pau, pelas canções O Rei e o Palhaço e Canudos, pelas peças instrumentais Rasga e Ponteio Acutilado, entre outras obras. “Ariano foi um escritor versátil – ele foi poeta, cronista, ensaísta, romancista e dramaturgo – e isso oferece, para quem quer recriar a obra de um escritor, muito material. Os poemas de Ariano são muito narrativos e longos – são pequenas histórias em forma de música”, disse Nóbrega.
O retorno à Unicamp tem um significado especial para o artista pernambucano. Nóbrega foi um dos fundadores do Departamento de Dança do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Como professor de dança, sentia que tinha um dever grande com os alunos em relação à questão de uma linguagem brasileira da dança. De vez em quando, ensaia em voltar, não para reassumir o ensino, mas para apresentar um pouco do que amealhou de conhecimento durante sua ausência. De antemão, Nóbrega revelou que deve voltar no segundo semestre à Unicamp para dar uma oficina de dança no IA e participar do Festival de Artes do Instituto de Artes (FEIA). A programação do festival ainda não foi divulgada.
“Uma das razões que me levaram a sair da Unicamp, além da necessidade de ter uma vida artística mais densa, foi de aprofundar a minha busca pela cultura brasileira. Durante esses 25 anos, foi isso que fiz. Agora, sinto a necessidade de voltar aqui e apresentar o que eu desenvolvi e estudei durante esse tempo”, disse.
Ao se apaixonar pelos ritmos brasileiros, Nóbrega deixou um recado para todo público, principalmente aos congressistas do 18º IASPM, presentes no show. Segundo Nóbrega, a indústria cultural é muito forte e pouco se ouve – e muito menos se pesquisa – sobre os ritmos brasileiros. Como exemplo, ele cita jovens compositores modernos de chorinho que ninguém conhece. “Faltam políticas públicas e um conjunto de outras coisas. Mas não tenho choradeira. Faço a minha parte e sou otimista, sabendo que a luta é complicada. Não podemos ter uma visão xenófoba da cultura brasileira. Foi o que aprendi com Ariano”, concluiu.
Projeto cultural
A Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e o Instituto de Artes (IA) da Unicamp pretendem implantar um projeto cultural para trazer à Universidade e à Campinas shows e eventos de música, teatro, entre outros. De acordo com o diretor do IA, Esdras Rodrigues Silva, a parceria com a FCM vem de muitos anos e “é fundamental poder contar com um auditório dentro do campus, com boa acústica e acomodação”.
O diretor associado da FCM, Roberto Teixeira Mendes, disse que a faculdade pretende persistir na parceria com o IA e que a FCM usa bem o auditório. Entretanto, ressaltou, o auditório fica, muitas vezes, disponível fora do horário acadêmico. “Pretendemos finalizar a estrutura do palco para combinar apresentações populares e acadêmicas. O auditório da FCM é um espaço importante na cidade de Campinas. Todos já estão convidados para futuros shows”, disse Teixeira.