O Brasil vive uma epidemia de diagnóstico de transtorno de déficit de atenção, hiperatividade, transtorno de oposição desafiadora, depressão, dislexia e autismo em crianças e adolescentes. Entre 5% a 17% de crianças encaminhadas para serviços de especialidades médicas recebem uma receita com medicações extremamente perigosas, como psicoestimulantes, antidepressivos e antipsicóticos. O remédio tomou conta do processo de educação e atribuiu ao organismo da criança a responsabilidade pelo aprendizado. Foi isto que mais de 1.200 profissionais da área da saúde e educadores ouviram em duas sessões realizadas hoje pela manhã e à tarde no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp durante o seminário “A queixa escolar: medicalização na educação e na saúde”.
Segundo o pediatra da FCM, Ricardo Caraffa, as crianças acabam sendo diagnosticadas muito rapidamente e de forma errônea sem receber nenhum outro tipo de atenção e análise. Num esforço de reverter esse quadro, foi realizado em São Paulo, no mês de novembro, um fórum sobre o tema. Cerca de 450 participantes de 27 entidades assinaram um manifesto no qual afirmam que a aprendizagem e os modos de ser e agir têm sido alvos da medicalização, transformando as crianças em consumidores de tratamentos, medicamentos e terapias. “A venda de medicamentos à base de metilfenidato aumentou mil por cento nos últimos anos. São dois milhões de caixas por ano. Esse número é muito expressivo”, explicou Caraffa.
Para a pediatra, professora e pesquisadora do Centro de Investigação em Pediatria da FCM da Unicamp, Maria Aparecida Affonso Moysés existem doenças e problemas de saúde que podem interferir com o desenvolvimento cognitivo e afetivo das pessoas. Existem pessoas que aprendem com mais facilidade que outras e existem pessoas tranqüilas, calmas, apáticas, agitadas, empolgadas e mais agressivas. E entre os extremos há infinitas possibilidades. Ainda segundo Moysés, existem diferentes modos de aprender e lidar com que já foi aprendido e cada um estabelece os seus próprios processos cognitivos e mentais para aprender.
“Cada ser humano é diferente do outro. Quais são as evidências científicas que comprovam que doenças biológicas e psiquiatras comprometem exclusivamente a aprendizagem?”, questionou a pesquisadora que desenvolve um trabalho juntamente com Cecília Colares, da Faculdade de Educação, sobre déficit de atenção.
Para a psicóloga da USP de São Paulo e presidente a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrappe), Marilene Proença R. Souza, a criança brinca, faz birra, chora e tenta impor sua vontade. Mas hoje em dia, quando ela corre um pouco mais é dita como hiperativa, se fala muito, é rotulada de desatenta e se troca letras no processo de alfabetização - o que é esperado - dizem que ela tem dislexia. Segundo Marilene, ao diagnosticar a criança com algum distúrbio, a sociedade está deixando de considerar todo o processo de escolarização que produz o não-aprender e o não-comportar-se em sala de aula.
“Do ponto de vista da psicologia da educação, estamos vivendo um retrocesso. Estamos culpando a criança por não aprender e medicando-a. O remédio não pode ocupar o lugar da escola e da família. Se assim for, estamos invertendo valores do campo da saúde, da educação e da psicologia com relação ao desenvolvimento infantil e deixando de usar todos os instrumentos pedagógicos no início do processo de alfabetização”, disse Marilene.
O seminário foi organizado pelo Conselho Regional de Psicologia de Campinas, pelo Departamento de Pediatria da FCM e pelo Serviço de Atenção às Dificuldades e Aprendizagem (SADA) da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas.
Texto e foto: Edimilson Montalti- ARP-FCM/UNICAMP