“Para quem está na estrada, é difícil precisar onde termina uma viagem e começa outra. Estou na estrada desde 2005, documentando situações relacionadas à saúde da população no seu dia-a-dia. Meu trabalho não é trazer respostas para os problemas da área da saúde. A fotografia tem essa força transformadora de provocar uma reflexão e pensar em mudanças.” Esta frase é do fotógrafo André François durante a palestra de abertura da exposição “A curva e o caminho – Acesso à saúde no Brasil”, ocorrida nesta quinta-feira (2) na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
André François nasceu em São Paulo em 1966, foi assistente, garçom e aprendiz de marceneiro. Começou a fotografar com 16 anos. Registrou diferentes povos na América, Europa e África. Tornou-se foto-documentarista. Morou em São Tomé das Letras (MG) onde desenvolveu seu primeiro grande trabalho sobre a vida dos trabalhadores das pedreiras. Por meio da fotografia, percebeu o mundo em que vivia e o poder da imagem como agente transformador. Essas descobertas o levaram a criar, em 1995, a organização ImageMagica.
Nos últimos seis anos, André realiza um amplo registro fotográfico na área da saúde. Ele já visitou mais de 100 hospitais e centros de saúde em todo o Brasil, sob as mais diferentes realidades, para registrar atitudes sensíveis de grandes cuidadores, e também a realidade do acesso à saúde. O resultado é riquíssimo: um panorama atual da saúde no Brasil. Em quatro anos, três livros foram lançados. Um quarto livro e um projeto internacional estão em andamento.
“A curva e o caminho – Acesso à saúde no Brasil” é um livro com o registrou de histórias de pacientes brasileiros e suas sagas pelo acesso à saúde na Amazônia. O acesso à saúde é um direito reconhecido pelos órgãos internacionais e pela maioria dos países. No Brasil, por lei, todo cidadão tem direito a qualquer tratamento de saúde gratuitamente. Essa informação, no entanto, não é condizente com a realidade encontrada nos lugares percorridos pelo fotógrafo e foi uma das primeiras reflexões que gerou este trabalho. As deficiências estão relacionadas às dificuldades de acesso e não são conseqüência apenas da escassez dos serviços de saúde, mas também de questões de ordem geográfica, cultural, econômica e funcional.
“Talvez eu quisesse ser médico. Não consegui, virei fotógrafo. Vocês não fazem ideia de como é entrar neste universo e contar histórias com respeito que envolvem vida e morte”, comentou François.
Uma das histórias contadas pelas fotografias de François é a ação dos médicos Expedicionários da Saúde em Pari-Cachoeira, no Amazonas. Uma jovem índia da etnia hupda era mãe solteira e tinha uma mancha escura que ocupava grande parte do rosto. Segundo a tradição hupda, marcas visíveis são estigmas. Aconselhada pelos agentes de saúde, foi buscar de atendimento médico no centro dos Expedicionários da Saúde. O médico recomendou uma cirurgia. Durante todo o procedimento, a moça falou apenas uma vez em português, para avisar que o soro havia acabado. Com a cirurgia, eliminou enfim a marca e o estigma que a acompanhava desde a infância.
De acordo com o professor Roberto Teixeira Mendes, coordenador do Cecom da Unicamp e membro dos Expedicionários da Saúde, é mais fácil encontrar François numa expedição do que em um evento. “Mostra a saúde a partir de imagens é uma forma inusitada. A palestra e a exposição expressam circunstâncias da vida moderna. A saúde que se faz aqui é diferente em outras regiões do país e no mundo. Isto está retratado de forma sensível nos trabalhos de André”, comentou Teixeira que já foi clicado por André em suas viagens pela Amazônia.
A exposição “A curva e o caminho – Acesso à saúde no Brasil” fica até o dia 24 de setembro no Espaço das Artes da FCM, das 8h30 às 17h30, inclusive aos finais de semana. Entrada franca.