A boca travada no racismo. Pesquisa da FCM aponta desigualdade racial nas condições de saúde bucal da população de Campinas
Intitulada “A boca travada no racismo: desigualdades raciais nas condições de saúde bucal”, uma pesquisa do Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde (CCAS) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp – realizada a partir de dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas (ISACamp) – trouxe à tona a necessidade de discutir o racismo nas questões de saúde bucal, uma vez tendo demonstrado que as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, a insatisfação com o atendimento recebido, e a pior saúde bucal estão associadas à raça, cor da pele e gênero.
Realizada pela cirurgiã-dentista Lívia Helena Terra e Souza, sob a orientação da epidemiologista Margareth Guimarães Lima, a pesquisa avaliou as condições de saúde e o uso de serviços odontológicos segundo a raça, cor da pele e gênero, bem como a associação destas determinantes com dificuldades de mastigar e sorrir, e perda dentária. Ao todo, foram analisados, no período de 2014 a 2015, os dados de 3.021 pessoas, entre 10 e 100 anos de idade, residentes no município de Campinas.
A primeira publicação decorrente da tese mostrou que as consultas ao dentista, autoavaliadas como ruins, ou com indicação para exodontia dentária (extração) foram mais prevalentes entre os pacientes negros. “Os resultados obtidos são indicativos do racismo que evidenciamos, cotidianamente, na cultura brasileira”, afirma Lívia.
O mesmo trabalho, publicado ainda em 2021 na Revista Race and Social Problems, abordou a disparidade socioeconômica entre brancos e negros como uma determinante relevante a ser considerada no que se refere à dificuldade dos negros de acesso à consulta, e à dificuldade para sorrir e comer. “A diminuição dessas desigualdades entre brancos e negros pode minimizar as disparidades encontradas”, diz.
O segundo artigo, submetido à revista Plos One, mostrou de forma alarmante, que a chance de perda dentária da população feminina, autodeclarada preta e parda, foi duas vezes maior que a identificada entre os homens brancos. “Os resultados podem indicar uma tendência de atenção à saúde bucal baseada na tomada de decisão mutiladora em negros e pardos, afetando, principalmente, as mulheres negras”, conta a pesquisadora.
Ainda de acordo com Lívia em sua pesquisa, na contramão do que preconiza os princípios de igualdade e equidade no Sistema Único de Saúde, de acesso universal, integral e gratuito à saúde, as desigualdades raciais em saúde bucal, infelizmente, ainda estão travadas e são latentes. “Os resultados apontam para o racismo estrutural também no cotidiano da saúde bucal, uma vez que, mesmo que sob condições socioeconômicas controladas, foi possível verificar piores condições de saúde bucal nos negros em relação aos brancos”, afirma.
No caminho de desconstrução do racismo em saúde bucal, cuja pesquisa mostrou ser evidente e silencioso, enfrentar a questão com transparência é o caminho apontado como o mais ideal. “O debate aberto e, sobretudo, as ações de combate às inequidades, são inevitáveis”, conclui a especialista.