Seminário sobre Doença de Chagas dá voz a usuários e cria projeto-piloto

O Grupo de Estudos em Doença de Chagas (GedoCh) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e a Associação de Doença de Chagas de Campinas e Região (Accamp) promoveram na sexta-feira (2) o I Seminário Regional sobre Doença de Chagas no anfiteatro do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O objetivo do seminário foi dar voz aos pacientes com doença de Chagas e discutir a situação atual da doença em seus aspectos clínicos, terapêuticos, epidemiológicos e sociais.

O seminário reuniu de forma pioneira 100 representantes das associações de chagásicos de Campinas, São Paulo e Recife, servidores de hospitais públicos e representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo os organizadores do evento, este é o primeiro passo para, juntos, criarem um projeto-piloto inovador para o acesso e cuidado do paciente com doença de Chagas.

Um dos convidados do seminário foi o médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Pedro Albajar Viñas, atual coordenador do Programa de Controle da Doença de Chagas do Departamento de Controle de Doenças Tropicais Negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com Viñas, o cenário da Doença de Chagas mudou. Ela está presente nos Estados Unidos, Canadá, em 16 países da Europa, Austrália e Japão. A contaminação se dá por ondas migratórias da população na transmissão via mãe e filho, transfusão sanguínea ou cruzada com HIV.

No Brasil, a estimativa é de que haja dois milhões de pessoas contaminadas. Houve avanços na interrupção da transmissão direta pelo Trypanosoma cruzi na Região Metropolitana de Campinas. O grande desafio é a região Amazônica, onde a transmissão está vinculada à contaminação de alimentos. A vinda de migrantes de países da América Latina para trabalhar no Brasil também preocupa as autoridades de saúde. Onde estão, como é o acesso e o cuidado desses pacientes são os desafios para o Sistema Único de Saúde (SUS)

“Não é um medicamento que vai resolver o problema. Muitos chagásicos precisam de acompanhamento cardiológico ou psicológico. Nós temos duas tarefas essenciais: parar a transmissão da doença e tomar conta do infectado”, disse Viñas.

O professor Eros Antonio de Almeida, do Departamento de Clínicas Médica da FCM, disse que em 30 anos de atendimento o GedoCh se tornou um centro de referência no diagnóstico e tratamento de pacientes com Doença de Chagas. Muitas pesquisas são desenvolvidas pelo grupo. O atendimento no ambulatório do HC é semanal e utiliza toda a estrutura do hospital. “Nosso grupo sempre foi voltado para atenção ao doente”, disse.

Ana Maria Arruda Camargo, membro do Conselho Científico da Accamp, disse que a Unicamp sempre teve essa preocupação de dar voz ao usuário de seus serviços. A formação de um modelo piloto de cuidado ao paciente chagásico que possa ser expandido para toda a Região Metropolitana de Campinas (RMC) é um dos desejos do grupo. Viñas disse que o GedoCh e a Unicamp estão muito bem situados dentro do programa de saúde da família do SUS e este é o diferencial do serviço frente à realidade de outros países.

“É um privilégio ter aqui uma equipe superespecializada no tratamento da Doença de Chagas. Vamos realizar este sonho de quebrar barreiras no acesso à detecção e cuidado médico. Campinas talvez seja a porta de entrada para informar, encaminhar e capacitar profissionais para isso”, revelou  Viñas.

Participaram do evento Osvaldo Rodrigues da Silva, presidente da Accamp; Maria Elena Guariento, coordenadora do GedoCh e professora da disciplina de Medicina Interna do Departamento de Clínica Médica da FCM; Gustavo Pereira Fraga, coordenador adjunto da Coordenadoria de Assistência  do HC; Lúcia Brum, representante dos Médicos Sem Fronteiras do Brasil e José Paulo Porsani, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Campinas.

 

 

Sobre a Doença de Chagas
A Doença de Chagas foi identificada em 1909 pelo médico sanitarista brasileiro Carlos Chagas. A enfermidade é causada pelo Trypanosoma cruzi, que é transmitido com maior frequência ao homem pelas fezes do inseto conhecido popularmente como barbeiro. O nome do protozoário é uma homenagem de Carlos Chagas ao também sanitarista e epidemiologista Oswaldo Cruz. A transmissão se dá quando a pessoa coça o local da picada e as fezes eliminadas pelo inseto, contendo o parasito, entram em contato com a pele lesada ou com a mucosa.
A transmissão também pode ocorrer por intermédio da transfusão de sangue contaminado ou durante a gravidez, de mãe para filho. Recentemente, foi identificada no Brasil a transmissão oral da doença, por meio da ingestão de caldo de cana e suco de açaí. Os sintomas mais comuns apresentados pelos chagásicos são febre, inflamação e dor nos gânglios, inchaço nos olhos e aumento do baço, fígado e coração. Na fase crônica, a enfermidade pode levar à morte. O diagnóstico pode ser feito a partir de um simples exame de sangue. O tratamento da Doença de Chagas é medicamentoso e deve ser prescrito e acompanhado pelo médico. Na etapa aguda, os remédios costumam proporcionar resultados relativamente satisfatórios contra o parasito, mas causam importantes efeitos colaterais ao doente. Na fase crônica, eles não são eficazes. A terapia, nesse caso, fica voltada ao controle dos sintomas, na tentativa de evitar complicações ao paciente. Como ainda não existe cura para o mal, as medidas preventivas ainda são a melhor alternativa para combater a doença.

Em 2006, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a receber a Certificação Internacional de Eliminação da Transmissão da Doença de Chagas pelo Triatoma infestans, conferida pela Organização Pan-Americana da Saúde. A certificação representa somente a interrupção momentânea da transmissão da doença especificamente pelo barbeiro, mas não a sua erradicação. O barbeiro costuma viver em ambientes silvestres ou nas frestas das paredes sem revestimento, principalmente de casas simples. Como se alimentam de sangue, alojam-se com frequência em locais onde possam obter alimento com facilidade. Os barbeiros são insetos largamente difundidos nas Américas, sendo encontrados desde o sul dos Estados Unidos até o sul da Argentina. No Brasil, habitam em maior número as regiões rurais do Norte e Nordeste.

GEDOCH
– Grupo de Estudos em Doença de Chagas
Fones: 19-3521-7491, 3521-7880

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Texto: Edimilson Montalti - ARP-FCM/UNICAMP

Fotos: Edimilson Montalti e Ana Maria Arruda Camargo