Em junho de 1993, um artigo produzido por um promissor pesquisador brasileiro era aceito e publicado na edição 43 da revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia. O tema era sobre epilepsia na primeira infância e o então pesquisador fazia seu doutorado no Instituto de Neurologia da Universida McGill de Montreal, Canadá. Passados 18 anos, este mesmo artigo volta a ser publicado como um dos melhores textos divulgados pela revista em seus 60 anos de existência. O artigo era de Fernando Cendes, neurologista, pesquisador do projeto Cinapse e atual chefe do Departamento de Neurologia da FCM.
Ao selecionar o texto para a publicação na edição comemorativa dos 60 anos da revista, o editor-associado da Neurology disse que, desde 1951, excelentes artigos sobre epilepsia passaram pelo crivo dos editores e foram publicados. Entretanto, o artigo “A primeira infância prolongada convulsões febris, atrofia e a esclerose mesial de estruturas e epilepsia do lobo temporal: Um estudo de ressonância magnética volumétricas” traz contribuições importantes para a área de neurologia. “É muito bom reler seu texto depois de tantos anos e ver como ele continua atual”, escreveu Gregory Cascino, editor-associado da revista Neurology, no e-mail enviado para Cendes.
De acordo com o artigo, foram realizadas medições de ressonância magnética volumétricas da amígdala e hipocampo em um grupo de 43 pacientes com epilepsia do lobo temporal não controlada por tratamento medicamentoso otimizado. Quinze pacientes (35%) tinham antecedentes de convulsões febris prolongadas na primeira infância; 30 pacientes submetidos à cirurgia e histopatologia estava disponível em 24. Os valores médios dos volumes das amígdalas e formação hipocampal ipsilateral no foco da eletroencefalográfico foram significativamente menores que os de controles normais.
As medidas volumétricas mostraram atrofia mais intensa de amígdala e hipocampo em pacientes com história de convulsões febris prolongadas. Pacientes com história de convulsões febris prolongadas apresentaram atrofia messial temporal grave em maior frequência do que aqueles que não apresentavam convulsões febris prolongadas. Estes resultados confirmam a correlação entre convulsões febris prolongadas na infância, a intesidade da atrofia das estruturas mesiais temporais na ressonância magnética, bem como do grau de alterações histopatológicas.
“Este artigo foi precurssor na época por três razões: era o início das pesquisas em epilepsia com ressonância magnética; desenvolvemos uma metodologia para medir e comparar o hipocampo in vivo, pois até então somente era feito após cirurgia ou autópsia e fizemos a relação desses dados com as crises febris da infância”, explicou Cendes.
O artigo, de acordo com Cendes, continua atual pois ainda existem questões sem respostas no estudo da epilepsia na infância. Segundo a base de dados da ISI Web of Knowledge, o artigo já foi citado 255 vezes em outros textos sobre o tema epilepsia. “O princípio básico da análise dos dois lados do cérebro e a relação com as crises febris contido no trabalho a partir da técnica de ressonância magnética determinaram um modelo-padrão usado em pesquisas sobre epilepsia”, esclareceu Cendes.
O artigo contou contou com a colaboração da professora e pesquisadora do Departamento de Genética Médica da FCM da Unicamp, Íscia Lopes-Cendes que tambeém, na época, defendia seu doutorado no Canadá. O artigo completo com os dados e padronização da metodologia está disponível no site da Neurology.
Fernando Cendes nasceu em Anápolis (GO) em 1962. Graduou-se em Medicina pela Universidade Federal de Goiás (1985), fez Residência Médica em Neurologia na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (1989), especialização em Neurofisiologia Clínica na Universidade McGill - Montreal Neurological Institute and Hospital, Canadá (1989), especialização em Epileptologia e Post Doctoral Research Fellowship na Universidade McGill - Montreal Neurological Institute and Hospital (1991-1996), Doutorado em Neurociência na McGill University, Department of Neurology and Neurosurgery (1993-1997), e Livre-Docência na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (2004). Em 1997 ingressou como Médico e Docente da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Atualmente é Professor Titular no Departamento de Neurologia da UNICAMP, Coordenador da Subcomissão de Pós-Graduação do curso Fisiopatologia Médica e membro da Comissão de Pesquisa da FCM-UNICAMP; Visiting Professor da McGill University, Department of Neurology and Neurosurgery (desde 1997); Presidente da Liga Brasileira de Epilepsia (2006-2008); Coordenador do Departamento Científico de Epilepsia e Membro da Comissão de Prêmios da Academia Brasileira de Neurologia; Secretário da Subcomissão de Neuroimagem da “International League Against Epilepsy - ILAE”; Membro de corpo editorial dos jornais científicos internacionais “Epilepsia” e Epileptic Disorders” e do “Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology”; Revisor de vários periódicos internacionais, incluindo Neurology, Epilepsia, Archives of Neurology, Brain, Epilepsy & Behavior, Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, Seizure, Epileptic Disorders, Acta Neurológica Scandinavica, Neurobiology of Disease, Brain and Development, Arquivos de Neuro-Psiquiatria, e Epilepsy and Clinical Neurophysiology. Foi chefe do Departamento de Neurologia da FCM-UNICAMP (2002-2006).
Publicou 202 artigos completos em periódicos especializados (Medline), 35 capítulos de livros e 2 livros. Orientou ou co-orientou 10 dissertações de mestrado, 17 teses de doutorado, 5 pós-doutorados, além de ter orientado mais de 25 trabalhos de iniciação científica. Atualmente orienta 2 dissertações de Mestrado, 7 teses de Doutorado, 4 Pós-Doutorados e 6 Iniciações Científicas.
É membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica, e da Sociedade Brasileira de Neuroradiologia Diagnóstica e Terapêutica. É membro associado da American Academy of Neurology. Recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por sua contribuição na pesquisa sobre as epilepsias e neuroimagem. Ministra aulas e coordena disciplinas na Graduação e Pós-Graduação da FCM. Presta serviços à comunidade nos ambulatórios e enfermaria do serviço de Neurologia, no serviço de Eletroencefalografia e monitorização vídeo-EEG e na Unidade de Emergência Referenciada (Pronto Socorro) do HC-UNICAMP, além de coordenar o Programa de Cirurgia de Epilepsia do HC-UNICAMP desde sua criação em 1997. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A.
Texto: Edimilon Montalti - ARP-FCM/UNICAMP
Foto: Arquivo pessoal do entrevistado