Autores:
Ana Carolina de Souza Sartti, Katia Borgia Barbosa Pagnano,
INTRODUÇÃO: As neoplasias mieloproliferativas (NMP) são doenças clonais originadas das células-tronco hematopoiéticas, onde há proliferação aumentada de uma ou mais séries mieloides, com maturação preservada. As mutações envolvidas na patogênese das NMP Filadélfia negativas clássicas (policitemia vera, mielofibrose primária e trombocitemia essencial) incluem os genes JAK2 (V617F e éxon 12), Calreticulina e MPLW515L/K, levando a uma ativação constitutiva de tirosino-quinases. Na evolução natural pode ocorrer progressão para mielofibrose e leucemia aguda. As NMP possuem aspectos clínicos em comum, como a plaquetose, acentuando os riscos de trombose, especialmente. Que chega a ser de 2 a 4 vezes maior nesses indivíduos do que na população sem NMP. A trombofilia apresentada por esses pacientes não é exclusiva dessas hemopatias, a COVID-19, por exemplo, têm demonstrado efeitos parecidos em indivíduos infectados. A enfermidade causada pelo vírus SARS-CoV-2, além do quadro respiratório, está relacionada à manifestação de eventos cardiovasculares e tromboembólicos mesmo após a fase crítica da doença. Por compartilharem mecanismos de ativação da coagulação, há a hipótese de que pacientes com NMP podem ter risco aumentado para a manifestação de eventos tromboembólicos e cardiovasculares após a COVID-19. METODOLOGIA: Esta pesquisa é um estudo de coorte, observacional, longitudinal, prospectivo e unicêntrico. Trata-se de um seguimento do estudo “Incidência e Impacto da COVID-19 em pacientes com neoplasias mieloproliferativas”. Os objetivos foram avaliar e comparar a incidência de eventos cardiovasculares e trombóticos tardios após a COVID-19 em uma coorte de pacientes com NMP e avaliar a incidência e gravidade da COVID-19 nessa população pré e pós-vacinação. Os dados clínicos e laboratoriais foram coletados e gerenciados usando a ferramenta eletrônica de captura de dados REDCap. A partir de questionários aplicados aos pacientes e análise dos prontuários médicos, foram obtidas informações relacionadas à NMP e à COVID-19 e histórico médico. Foram calculadas a incidência e prevalência dos eventos e testes Chi-Quadrado. RESULTADOS: Entre 25 de novembro de 2020 a 22 de dezembro de 2021, 180 pacientes com NMP Filadélfia negativa foram recrutados. A mediana de idade na entrada do estudo foi de 69 anos. Nessa população, 22% dos pacientes tinham histórico de evento trombótico e 54% antecedente de doença cardiovascular prévio à entrada no estudo. O tempo mediano de seguimento da coorte com COVID-19 foi de 510 dias. A frequência da mutação JAK-2 foi semelhante nas duas coortes (P=0,39). A coorte COVID-19 teve menor taxa de pacientes hipertensos em comparação a coorte sem COVID-19 (42% vs 70%; P=0,0012). No total, 42/180 pacientes tiveram COVID-19 (23,3%), com 6 reinfecções (14,28%) e dentre essas, houve um acidente vascular cerebral (AVC). A incidência de eventos tromboembólicos na coorte com COVID-19 foi de 4,7% e na coorte sem COVID-19 foi de 5,7% (P=0,79). Dos 48 casos de COVID-19, 38 foram leves (23 pós-vacina), 4 moderados (todos pré-vacinação) e 6 graves (5 pré-vacina), um com evolução para óbito. 50% dos casos de COVID-19 ocorreram pré-vacinação. Houve predomínio de casos graves/moderados pré-vacinação (P=0,0045). A coorte com COVID-19 tem 9 pacientes que não completaram um ano de seguimento. Houve 6 óbitos na coorte COVID-19 e 10 na coorte sem COVID-19. DISCUSSÃO: Até o momento não houve diferenças significativas na incidência de eventos cardiovasculares e trombóticos tardios entre as coortes de pacientes com NMP expostos ou não ao SARS-CoV-2. Pacientes com NMP têm maior taxa de eventos cardiovasculares e trombóticos em comparação com a população normal por vários mecanismos, como: mutações em genes que aumentam o risco de desenvolvimento de aterosclerose, aumento da agregação plaquetária, da geração de trombina e de inflamação. A mutação do JAK-2 V617F, relacionada à maior incidência de eventos trombóticos e cardiovasculares foi a mais prevalente em ambas as coortes. 96% dos casos de COVID-19 pós-vacinação foram leves, o que sugere a eficácia do esquema vacinal na prevenção de casos moderados e graves da COVID-19, o que pode ter contribuído para a incidência semelhante de eventos cardiovasculares e trombóticos observada, pois manifestações tardias desses eventos estão mais associadas às formas mais graves da COVID-19. CONCLUSÕES: A incidência de eventos tromboembólicos e cardiovasculares tardios em pacientes com NMP pós-COVID-19 foi semelhante à da coorte sem COVID-19. A maioria dos casos de COVID-19 foram leves e após a vacinação houve predomínio dos casos leves. A vacinação contra o SARS-CoV-2 pode ter contribuído para a prevenção dos casos moderados e graves.
PALAVRA-CHAVE: neoplasias mieloproliferativas Filadélfia negativas; COVID-19; manifestações tardias, eventos cardiovasculares e trombose.
ÁREA: Clínica Médica
NÍVEL: Estudo original de natureza quantitativa ou qualitativa
FINANCIAMENTO: FAPESP
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