Autores:
Sophia de Alcantara Rodrigues, Vitor Rocha Eikmeier, Laura Sterian, Natassia Elena Búfalo, Elisângela de Souza Teixeira,
Introdução Nas últimas décadas, ocorreu o aumento expressivo da incidência de câncer de tireoide mundialmente. Evidências sugerem que este aumento pode ser resultante de fatores ambientais, dentre eles, o extenso contato com desreguladores endócrinos, como o bisfenol A (BPA). Este agente químico, utilizado na produção de plásticos e presente em diversos produtos de uso cotidiano, é semelhante ao T3 e pode atuar como antagonista hormonal. Dessa forma, esse composto é capaz de alterar a função tireoidiana, desregulando os níveis hormonais e induzindo a proliferação de células tumorais da tireoide. Nosso grupo de pesquisa e outros, vêm demonstrando a contribuição do BPA para a tumorigênese, visto que este composto afeta a migração e a viabilidade celular em concentrações elevadas. De acordo com resultados prévios do projeto FAPESP nº 2020/02167-3, o BPA possui ação tóxica em concentrações acima de 100 µl/ml na linhagem celular Nthy-ori 3-1, a qual é derivada de células foliculares tireoidianas. Ainda nesse estudo, por meio do ensaio de azul de Tripan, que mostra a integridade da membrana celular, e o ensaio Cell Counting Kit – 8 (CCK-8), que mede a atividade metabólica de células expostas ao BPA, foi feita a análise de viabilidade celular e citotoxicidade. Esta mostrou que as doses de 100 μg/mL mataram quase todas as Nthy-ori 3-1 (99% em 24h e 97% em 48h), enquanto doses de 0,78µg/mL; 4µg/mL e 12,5µg/mL causaram morte de 50%. Além dessas concentrações, a dose LME resultou em 79% de morte celular de Nthy-ori 3-1 em 24h de exposição e apenas 7% em 48h. Também, observou-se uma redução na taxa de mortalidade após exposição mais longa ao BPA em todas as concentrações, sugerindo desaparecimento da ação tóxica e/ou um mecanismo de recuperação celular. Tendo em vista que resultados anteriores já constataram a interferência de altas doses BPA na viabilidade celular, deve-se verificar se doses mais baixas de BPA também afetam as características funcionais celulares. Para isso, podem ser utilizadas as linhagens 8505c, derivada de carcinoma anaplásico de tireoide, e Nthy-ori 3-1, como grupo controle. Tal investigação é significativa para ampliar os conhecimentos sobre os impactos do BPA nas células da tireoide, tendo, portanto, relevância para a saúde pública, além de poder contribuir na proposição de novas regulamentações acerca das quantidades seguras de BPA em produtos de consumo humano. Metodologia Neste estudo, empregamos duas linhagens celulares distintas. A linhagem 8505c, proveniente de carcinoma indiferenciado, foi gentilmente cedida pelo Professor Dr. Valdemar de Jesus Conde Máximo, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular (IPATIMUP) da Universidade do Porto, Portugal. A linhagem Nthy-ori 3-1 foi adquirida comercialmente pela Sigma-Aldrich, St. Louis, EUA. Ambas as linhagens foram cultivadas em meio RPMI 1640, acrescido de 10% de soro fetal bovino, 1% de Penicilina-Streptamicina e 250mg/ml de fungizone, e mantidas em estufa a 37ºC, com 5% de dióxido de carbono (CO2). Para a exposição experimental, utilizamos o Bisfenol A (CAS No: 80-05-7) (Sigma–Aldrich, St. Louis, EUA) que foi previamente diluído em dimetilsulfóxido (DMSO) da marca Sigma–Aldrich, St. Louis, EUA. As doses de BPA usadas no estudo seguiram as recomendações estabelecidas pela ANVISA, segundo a Resolução RDC 105/1999 e da Resolução RDC 17/2008, que determina como Limite de Migração Específica (LME) 0,6 mg de bisfenol A por Kg de alimento. Desse modo, preparamos concentrações de 0,1 a 1,0 ug/ml para o tratamento das linhagens celulares, a partir da diluição progressiva da solução de BPA. Isso nos permitiu criar um conjunto de concentrações que abrangem a faixa de interesse para nossos estudos. Em seguida, uma vez preparadas as concentrações, as linhagens celulares tireoidianas (8505c e Nthy-ori 3-1) foram expostas ao BPA por tempo de 24 e 48 horas. Após a exposição das células ao BPA, foi realizado o teste de exclusão por azul de tripan, seguindo os protocolos já realizados anteriormente, a fim de analisar a integridade da membrana celular e determinar a viabilidade das células. Para a realização desse teste, após a exposição das células ao BPA por 24h e 48h, uma alíquota da suspensão de células sendo testada foi centrifugada e o sobrenadante se descartado. Depois, o sedimento celular foi ressuspendido em 500µl de meio de cultura. Desta solução, retirou-se 10µl, que foi diluído em 10µl de azul de tripan 0,4%, de modo a obter a 20µl de solução com a concentração resultante de 1:1. Em seguida, a mistura foi incubada por aproximadamente 3 minutos em temperatura ambiente e 10µl da solução final foi analisada em lâmina descartável para contagem de células pelo Countess ® II FL (Thermo Fisher Scientific). As células coradas foram contabilizadas como células não viáveis e não coradas, viáveis. Além do teste de exclusão por azul de tripan, foi empregado o ensaio de viabilidade celular CCK-8 para avaliar a citotoxicidade do BPA. Para a realização desse ensaio, distribuiu-se 100 µl de suspensão celular contendo 5.000 células por poço em uma placa de 96 poços. A placa foi pré-incubada por 24 horas em uma incubadora umidificada a 37ºC, permitindo que as células se estabeleçam. As diferentes concentrações de BPA foram adicionadas aos poços da placa contendo as células e estas foram incubadas e expostas ao BPA por mais 24h e 48h. Após a incubação desejada, 10 µl de solução CCK-8 foram adicionados a cada poço da placa e esta foi incubada por mais 3 horas. Posteriormente, os resultados foram lidos utilizando um leitor de microplacas (ELx808, Biotek, Winooski, VT, EUA), indicando a viabilidade celular com base na atividade metabólica. Dessa forma, a partir do ensaio CCK-8, foi avaliada citotoxicidade das diferentes concentrações de BPA, fornecendo dados sobre o impacto do BPA na viabilidade celular. Resultados Os resultados obtidos apontam que, mesmo em doses consideradas seguras pela ANVISA, o BPA promove a diminuição da viabilidade celular de forma independente do tempo e da concentração. No ensaio de azul de tripan, a linhagem celular N-thyr-ori 3-1 apresentou maiores porcentagens de viabilidade celular comparada à linhagem 8505-C, tanto em 24 quanto em 48 horas. Em vista disso, verifica-se que as células N-thyr-ori 3-1 aparentam ser menos sensíveis às concentrações de BPA, apresentando aumento na viabilidade celular conforme as concentrações aumentaram, exceto para as concentrações mais altas (100, 200 e 400 µg/mL) nas quais a taxa de mortalidade celular ultrapassou os 90%. Na avaliação do metabolismo celular por meio do ensaio CCK-8, a linhagem 8505-C também exibiu redução na viabilidade celular com o aumento das concentrações de BPA. No entanto, os efeitos demonstrados por esta linhagem foram menos acentuados e variáveis em comparação com a linhagem N-thyr-ori 3-1. Dessa forma, a linhagem 8505-C apresentou maior resistência aos efeitos do BPA. Em ambas as linhagens, observou-se que o aumento na concentração de BPA resultou em menor viabilidade celular, principalmente 48 horas após a exposição. Discussão Os resultados do ensaio de azul de tripan e do ensaio CCK-8 sugerem que a viabilidade celular é influenciada pela concentração de BPA e pelo tempo de exposição. As menores concentrações de BPA demonstram efeitos menos citotóxicos em relação às concentrações mais altas, que promovem uma redução significativa na taxa de viabilidade celular. A redução na viabilidade celular, independente das doses e do tempo de exposição ao BPA sugere que este composto tem efeitos tóxicos nas células das linhagens N-thyr e 8505-C, provocando danos e levando à morte celular. As respostas distintas das duas linhagens podem indicar uma variação na sensibilidade ao BPA ou em suas vias de sinalização celular. Conclusão A partir dos resultados, conclui-se que o BPA causa efeitos citotóxicos nas células tireoidianas, independentemente de sua concentração ou tempo de exposição. Desse modo, essa substância provoca redução da viabilidade celular mesmo em doses consideradas aceitas pela ANVISA. Logo, os achados desta pesquisa fornecem informações relevantes sobre os efeitos do BPA nas células da tireoide e podem contribuir para o entendimento dos tratamentos envolvidos na carcinogênese ou no desenvolvimento de doenças relacionadas à exposição ao BPA. Além disso, esta investigação tem o potencial de contribuir na elaboração de novas regulamentações acerca de quantidades mais seguras de BPA para o consumo humano.
PALAVRA-CHAVE: BPA, câncer de tireoide, viabilidade celular
ÁREA: Ciência Básica
NÍVEL: Estudo original de natureza quantitativa ou qualitativa
FINANCIAMENTO: CNPq
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