Autores:
Caio Fernando Biolcatti, Licio Augusto Velloso,
INTRODUÇÃO A obesidade é hoje uma das doenças mais prevalentes no mundo. Além de seu impacto direto sobre a qualidade de vida dos pacientes, a obesidade aumenta a predisposição para várias outras doenças que podem ampliar o risco para morte precoce, tais como diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial, dislipidemias e, mais recentemente, formas graves de COVID-19 (1). Visando a entender os meios pelos quais a obesidade atua sobre tão variadas doenças, estudos publicados nos últimos 15 anos demostraram que a obesidade pode levar a modificações importantes na composição da microbiota intestinal, impactando diretamente a permeabilidade e a transposição de nutrientes do lúmen do intestino para o meio interno do organismo, bem como de agentes potencialmente patogênicos (2,3). Há, ainda, evidências de que a permeabilidade paracelular do epitélio gastrintestinal é regulada por fatores outros, como a gestação e a composição da dieta – associados ou não (4,5). Face à inexistência, na literatura, de um estudo buscando a relação entre obesidade – gestação – microbiota intestinal, o objetivo deste trabalho foi o de investigar como esses três fatores se relacionam entre si. METODOLOGIA Foram utilizadas duas linhagens de camundongos fêmeas prenhes e não prenhes: Swiss albinus para análise de microbiota intestinal e C57BL6/J (C57) para coleta de fragmentos intestinais. A análise de microbiota foi realizada por sequenciamento; os fragmentos intestinais foram investigados quanto à expressão gênica e proteica por qPCR e imuno-histoquímica, respectivamente. Por fim, camundongos C57 selecionados foram alimentados com solução de FITC-Dextran para posterior leitura sérica de emissão de fluorescência. RESULTADOS As fêmeas alimentadas com high fat diet (HFD) apresentaram aumento na quantidade de bactéria do gênero Bacteroides e Clostridium e redução das bactérias Lactobacillus murinus, enquanto fêmeas prenhes (alimentadas com HFD ou não) mantêm microbiota muito similar à do grupo controle. A análise de expressão gênica por qPCR identificou aumento na expressão de transcritos que codificam proteínas reguladoras da permeabilidade intestinal em fêmeas prenhes alimentadas com HFD em relação aos demais grupos. A análise imuno-histoquímica mostrou discreta redução na marcação dessas proteínas em fêmeas não prenhes alimentadas com HFD. Por fim, a leitura de emissão de fluorescência sérica foi significativamente maior no plasma de fêmeas não prenhes alimentadas com HFD. DISCUSSÃO Este estudo demonstrou que a gestação mitiga os efeitos deletérios do consumo de uma dieta rica em gordura sobre a composição da microbiota e a permeabilidade intestinal, visto que há aumento da expressão de transcritos codificadores de proteínas das TJs no epitélio intestinal. Por se tratar de um estudo descritivo, não avaliamos detalhes mecanísticos que poderiam contribuir para caracterizar a sequência de eventos que resulta no fenótipo descrito. Entretanto, considerando que estudos pregressos haviam demonstrado que a composição da dieta tem impacto direto na microbiota e que as alterações da microbiota podem promover danos na permeabilidade intestinal, acreditamos que, no cenário avaliado neste estudo, particularidades fisiológicas da gestação, como o perfil hormonal, podem impactar diretamente a microbiota do intestino fazendo com que mesmo diante do consumo de HFD a composição da mesma fosse minimamente modificada, dessa forma mitigando os efeitos da dieta e da obesidade sobre a permeabilidade intestinal. CONCLUSÃO Em suma, conquanto as mudanças fisiológicas da gravidez preservem a microbiota intestinal materna, ela não impede a instalação do estado inflamatório induzido pela obesidade. Por outro lado, a gestação exerce, de fato, um efeito protetivo acerca da permeabilidade paracelular intestinal, pois induz um mecanismo compensatório que resulta no aumento da expressão de transcritos codificadores de proteínas das Tjs. Isso é protetivo pois compensa as eventuais disfuncionalidades epiteliais provocadas pela inflamação e, portanto, impede que substâncias nocivas adentrem o ambiente corporal materno. Estudos subsequentes deverão avaliar os mecanismos que fundamentam tais alterações. REFERÊNCIAS 1. Anderson MR. Chest. 2021;160(6):2135 2. Portincasa P. Biomedicines. 2021;10(1):83. 3. Murphy EA. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2015;18(5):515. 4. Inczefi O. Front Nutr. 2022;9:718. 5. Collado MC. Am J Clin Nutr. 2008;88(4):894.
PALAVRA-CHAVE: obesidade, gestação, microbiota intestinal
ÁREA: Ciência Básica
NÍVEL: Estudo original de natureza quantitativa ou qualitativa
FINANCIAMENTO: FAPESP
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