Autores:
EDUARDA DE CASTRO MARINS JERONIMO, Ricardo Carlos Cordeiro,
Introdução O feminicídio corresponde ao homicídio feminino motivado por questões de gênero e é comumente cometido no ambiente doméstico, por homens com os quais as vítimas tinham relações pessoais. Nesse sentido, o isolamento social adotado como medida de contenção da pandemia de Covid-19 -declarada pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020- aumentou a vulnerabilidade de muitas mulheres à violência doméstica e ao feminicídio. Esse fenômeno ocorreu devido à redução do acesso das vítimas a serviços de assistência e a testemunhas externas à sua residência, além de à potencialização da instabilidade emocional dos agressores mediante a crise social e econômica. Isso foi registrado em diversos países, incluindo o Brasil, por artigos, canais de vigilância e órgãos governamentais. Diante disso, este estudo objetivou averiguar se houve crescimento anormal do número de feminicídios na cidade de Campinas entre março de 2020 e setembro de 2021, em relação ao período não-pandêmico. Método Foram utilizados dados da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas referentes aos homicídios femininos ocorridos entre janeiro de 2007 e setembro de 2021, a partir dos quais estimou-se os números de feminicídios, tendo como base a proporção de feminicídios dentre os homicídios femininos encontrada por trabalhos de campo já realizados pelo Laboratório de Análise Espacial de Dados Epidemiológicos da Unicamp (epiGeo). Por meio de autópsias verbais com familiares das mulheres vítimas de homicídio, essas investigações de campo encontraram como 35,5% a proporção de feminicídios dentre os homicídios femininos. Em seguida, os valores estimados de feminicídio (numerador da incidência) e os valores da população feminina da cidade (denominador da incidência), obtidos diretamente da Fundação Seade - para os anos de 2011 a 2021 - ou estimados por projeção geométrica - para os anos de 2007 a 2010 -, geraram as estimativas mensais de incidências de feminicídios na cidade para os meses janeiro, fevereiro, …, dezembro do período não-pandêmico (janeiro de 2007 a dezembro de 2019). Por fim, em um diagrama de controle comparou-se as incidências mensais de feminicídio no período pandêmico (março de 2020 a setembro de 2021) com os resultados obtidos para os anos anteriores, identificando-se se houve ou não epidemia de feminicídios em Campinas durante a pandemia de Covid-19. Resultados Os resultados apontam que a curva do período de pandemia não ultrapassa a curva limiar referente ao período pré-pandemia, indicando que não houve uma epidemia de feminicídios durante a pandemia de Covid-19 em Campinas. Discussão Discutem-se as possíveis causas para a divergência entre os achados e a literatura especializada, que podem incluir limitações do método ou sucessos na prevenção da violência contra a mulher. A aplicação de um percentual fixo sobre os valores totais de homicídios femininos pode não ter alcançado as mudanças nas dinâmicas sociais capazes de alterar a proporção de feminicídios entre os homicídios femininos, considerando que o isolamento no período pandêmico apresenta potencial para reduzir o número de assassinatos associados a violência urbana, como os latrocínios, e para aumentar a vulnerabilidade de mulheres a violência doméstica. Entretanto, um documento emitido em 2022 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que foi pautado em boletins de ocorrência da Polícia Civil das unidades federativas do país, os quais dispensam métodos de estimativa e identificam diretamente os casos de feminicídio dentre os homicídios femininos, também evidenciou uma leve queda no número de feminicídios no Brasil em 2021, posterior a um acréscimo desse indicador entre fevereiro e maio de 2020, quando o isolamento social teve início e maior rigidez. Como outro possível motivo dos resultados obtidos, pode-se apontar que foram realizados esforços em prol da prevenção de feminicídios pelos órgãos públicos de Campinas. Em maio de 2021, a Prefeitura Municipal de Campinas estabeleceu uma parceria com a Polícia Civil, que visa a intercambiar informações entre a Delegacia de Defesa da Mulher e os serviços de amparo à mulher da Prefeitura. Entre esses serviços estão o Centro de Apoio à Mulher Operosa (Ceamo), que presta suporte jurídico, psicológico e social a vítimas de violência doméstica, e o Serviço de Responsabilização e Reeducação ao Autor de Violência da Cidade de Campinas (Seravi), que realiza trabalhos de acompanhamento e conscientização dos agressores. Também existem os programas Guarda Amigo da Mulher e Sala Lilás, voltados às mulheres em situação de violência, e a Semana Municipal de Combate ao Feminicídio em Campinas, que se dá na segunda semana de maio e promove debates e informações sobre o tema. Conclusão As análises apontaram uma queda dos feminicídios em Campinas durante a pandemia de Covid-19, fenômeno que diverge do observado em outras localidades por canais científicos, midiáticos e governamentais. Inicia-se, pois, uma discussão sobre os fatores que associariam esse achado a insuficiências do método utilizado na pesquisa ou a efeitos de ações de proteção à mulher realizadas por outros órgãos públicos da cidade.
PALAVRA-CHAVE: violência, gênero, feminicídio, isolamento social
ÁREA: Saúde Coletiva
NÍVEL: Estudo original de natureza quantitativa ou qualitativa
FINANCIAMENTO: FAPESP
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Núcleo de Tecnologia da Informação - FCM