RESUMO
INTRODUÇÃO: O metilglioxal (MGO) é um composto dicarbonílico, altamente reativo, gerado nos estados hiperglicêmicos1. Estudos recentes evidenciam a importância deste composto e sua toxicidade, pois pacientes acometidos com Diabetes Mellitus (DM) possuem aumento dos níveis de MGO no sangue2, e há uma associação do MGO com as complicações do DM3. Sua formação vem, principalmente, da via glicolítica, formando-se, também, rapidamente na fase pós-prandial4. Em tecidos vasculares, o MGO induz a formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs), que se ligam ao seu receptor RAGE, iniciando a lesão tecidual à jusante3. As glioxalases, GLO 1 e GLO 2, fazem parte de um sistema enzimático especializado na degradação de MGO intracelular. A ação dessas enzimas catalisa MGO em D-Lactato. A atividade de GLO 1 é dependente da glutationa sendo descrita como um fator limitante para desintoxicação de MGO e defesa contra a formação de AGEs1,3
OBJETIVOS: Avaliar o papel do metilglioxal na disfunção vesical.
MÉTODOS: Experimental com animais; os cuidados dos animais, e os protocolos de pesquisa foram realizados conforme as diretrizes adotadas pelo Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA). Todos os protocolos experimentais encontram-se aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA-UNICAMP), número 54431/2019. Camundongos, fêmeas, receberam MGO 0,5%, oralmente, por 12 semanas, o grupo controle recebeu água filtrada. Protocolos experimentais: foram realizados mensuração sérica de MGO e AGEs; análises moleculares na bexiga foram realizadas atividades da Glioxalase; RT-PCR para RAGE, RhoA, Rock 1 e 2, canal de cálcio do tipo L. As análises morfométricas da bexiga foram avaliados o peso vesical, a espessura do detrusor e do urotélio, e conteúdo do colágeno no detrusor. A imuno-histoquímica foi realizada para verificar a expressão de RAGE e MGO na bexiga. Para avaliação do comportamento miccional, no animal acordado, foi realizado ensaio de papel de filtro, e, no animal anestesiado, foi realizada a cistometria de enchimento. A avaliação do estresse oxidativo foi realizada pelo teste da atividade da superóxido dismutase (SOD), e determinação dos níveis de espécies reativas de oxigênio (ROS) por oxidação de diihidroetídio-DHE. As contrações da bexiga in vitro foram avaliadas em tiras com a presença e ausência do urotélio, posterior às tiras denudadas de urotélio foram incubadas na presença ou ausência de SOD (PEG-SOD) ou do inibidor da Rho quinase Y27632. Análise estatística: A diferença estatística entre os grupos foi determinada utilizado o test t-Student não pareado e ANOVA e seguido de pós-teste de Tukey, o valor de p < 0,05 foi aceito como significativo.
RESULTADOS: Ao fim do tratamento, os animais que receberam MGO, por 12 semanas, apresentaram níveis aumentados de MGO e AGEs no soro (p<0.001 e p< 0.05, respectivamente). O tratamento com MGO não alterou os níveis de glicose no sangue. Na bexiga dos animais que receberam MGO, foram encontrados diminuição, significativa, da atividade da enzima GLO 1 (p<0.05), aumento do peso vesical (p<0.05) e aumento da relação peso vesical pelo peso corporal (mg/g) (p<0.05), aumento da espessura do urotélio (p< 0.05), e detrusor (p< 0.05), e aumento do conteúdo do colágeno no músculo detrusor (p< 0.05). Na avaliação do comportamento miccional no animal acordado, os animais que receberam MGO apresentaram diminuição do volume médio de micção (p< 0.01), aumento do número de micções (p< 0.01) e aumento das micções no centro do papel (p<0.05), indicando hiperatividade vesical. A avaliação cistométrica evidenciou aumento da frequência de micções (p< 0.01), diminuição do intervalo entre micções (p< 0.05), diminuição da capacidade vesical (p<0.05) e volume de micção (p<0.01), e aumento das contrações não miccionais (p<0.01), confirmando os achados de hiperatividade vesical detrusora no animal acordado. Descobriu-se que a hiperatividade da bexiga induzida por MGO se deve à ativação da cascata de sinalização AGE-RAGE-ROS, levando à ativação do sistema Rho quinase. O tratamento com MGO elevou à expressão gênica e imunocoloração RAGE no urotélio, detrusor e endotélio vascular. O metilglioxal aumentou significativamente a produção de ROS tanto no urotélio (p< 0.05) quanto no músculo liso do detrusor (p< 0.05), com os aumentos no detrusor marcadamente maiores do que no urotélio. A atividade da SOD na bexiga foi reduzida no grupo MGO (p< 0.05). As expressões gênicas dos canais L-type Ca2+, RhoA, ROCK-1 e ROCK-2 nos tecidos da bexiga foram elevadas no grupo MGO (p< 0.05). Foram observadas contrações aumentadas da bexiga à estimulação do campo elétrico, carbacol α, β-metileno ATP e Ca2+ extracelular após exposição ao MGO, o que foi, significativamente, reduzido pela incubação prévia com PEG-SOD ou Y27632.
CONCLUSÃO: Nossos dados indicam que o acúmulo sérico de MGO eleva os níveis de AGEs e diminui a atividade da GLO 1, causando um estresse dicarbonílico. Os animais apresentam hiperatividade vesical. A ativação do eixo MGO-AGEs-RAGE e ativa a sinalização RAGE-ROS levando à sensibilização muscular induzida pela Rho quinase levando à hipercontratilidade do detrusor. Indicando um importante papel do MGO na disfunção vesical.
BIBLIOGRAFIA: 1- Rabbani, N., and Thornalley, P. J. (2015). Dicarbonyl Stress in Cell and Tissue Dysfunction Contributing to Ageing and Disease. Biochem. Biophys. Res.Commun. 458, 221–226. doi:10.1016/j.bbrc.2015.01.140
2-Kilhovd, B. K., Giardino, I., Torjesen, P. A., Birkeland, K. I., Berg, T. J., Thornalley, P. J., et al. (2003). Increased Serum Levels of the Specific AGE-Compound Methylglyoxal-Derived Hydroimidazolone in Patients with Type 2 Diabetes. Metabolism 52, 163–167. doi:10.1053/meta.2003.50035
3- Matafome P, Rodrigues T, Sena C, Seiça R. Methylglyoxal in Metabolic Disorders: Facts, Myths, and Promises. Med Res Rev. 2017 Mar;37(2):368-403. doi: 10.1002/med.21410.
4- Zhang X, Scheijen JL, Stehouwer CDA, Wouters K, Schalkwijk C. Increased methylglyoxal formation in plasma and tissues during a glucose tolerance test is derived from exogenous glucose. Clin Sci (Lond). 2023 Jan 20:CS20220753. doi: 10.1042/CS20220753.
PALAVRA-CHAVE: produtos finais de glicação avançada; urotélio; comportamento miccional; disfunção da bexiga diabética.