RESUMO
INTRODUÇÃO: As fendas orofaciais (FO) são os defeitos congênitos mais comuns na espécie humana, com uma prevalência estimada de 1: 700 - 1: 1.000. Aproximadamente 30% estão associados a outras malformações congênitas e/ou marcos psicomotores atrasados e compreendem o grupo de FO sindrômicas (FOS). Uma das malformações congênitas associada às FOs que tem sido relatada com frequência em estudos com diferentes desenhos populacionais é o espectro da microftalmia/ anoftalmia/coloboma (MAC).
OBJETIVOS: Identificar o número de casos de associação FO-MAC na Base Brasileira de Anomalias Craniofaciais (BBAC) e caracterizá-los clínica e etiologicamente.
MÉTODOS: A BBAC e seu biorrepositório foram aprovados pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (35316314.9.1001.5404 e 85020018.8.0000.5404) e nos demais nove centros participantes. Trata-se de estudo transversal envolvendo indivíduos registrados na BBAC entre 09/2009 e 08/2020 e suas respectivas amostras biológicas. Foram incluídos indivíduos com FO-MAC oriundos das regiões Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil, avaliados por geneticistas de acordo com o protocolo estabelecido pela BBAC. Foram analisados aspectos sociodemográficos e fatores de risco comuns para defeitos congênitos e aspectos clínicos. A investigação etiológica foi realizada por meio de Análise Cromossômica por microarray (CMA) utilizando a plataforma Affymetrix (Santa Clara, USA) e sequenciamento completo de exoma (WES – Whole Exome Sequencing, Illumina NovaSeq6000). Os achados de WES foram confirmados por sequenciamento de Sanger.
RESULTADOS: Dentre os 1917 casos registrados na BBAC, foram observados 41 (2.14%) indivíduos de FO-MAC. Dois apresentavam FOs típicas e anomalias cromossômicas (trissomia 13 e microdeleção 22q11.23 de 266kpb) cinco exibiam FO atípica e 34 com FOs típicas. Neste último, não houve fatores de risco prevalentes, assim como sexo ou lateralidade predominantes e nenhum apresentou síndrome clinicamente reconhecível. A distribuição de FO foi 21 (61.79%) com fenda labiopalatal (FLP), 7 (20.59%) com fenda palatal (FP) e 6 (17.65%) com fenda labial (FL) e a microftalmia foi o defeito ocular mais prevalente (24; 70.58%). Outros defeitos congênitos maiores ocorreram em 26 (76.47%) indivíduos predominando os cardiovasculares (11; 42.30%), craniofaciais (11; 42.30%), em sistema nervoso central (7; 26.92%) e em extremidades (7; 26.92%); 16 (47.06%) indivíduos apresentaram atraso de desenvolvimento neuropsicomotor. A CMA realizada em 24 casos (21 em casos com FO típica e 3 nos que apresentavam FO atípica) não revelou desequilíbrios genômicos patogênicos. Dentre os 17 casos submetidos à WES, a análise foi concluída em 13. Nos casos com FO típica, variantes patogênicas foram encontradas em dois indivíduos (gene CHD7, Síndrome CHARGE e gene TFAP2A, Síndrome Branquiootorrenal-BOR), um indivíduo aguarda confirmação de variante provavelmente patogênica no gene CHD7 e, em dois, depende-se da evolução clínica para concluir correlação genótipo-fenótipo e diagnóstico (GRHL3, Síndrome de van der Woude e GJB2, Queratodermia+deficiência auditiva). Ainda, em um caso, uma variante no gene PORCN pode estar relacionada especificamente à microftalmia e aguardam-se as análises de dois casos. Em um dos três casos investigados por FO atípicas foi encontrada uma variante patogênica no gene TP63 (Síndrome ADULT); 2 ainda não foram concluídos.
CONCLUSÃO: a análise clínica e sóciodemográfica dos 34 pacientes dos casos de FO típica e MAC não permitiu relacionar esta associação a fatores etiológicos específicos. Os defeitos maiores observados, assim como seus sítios anatômicos, estão de acordo com os descritos em FO em geral. Fica clara a heterogeneidade clínica e etiológica da associação FO-MAC. Apesar de bem demonstrada a presença de desequilíbrios genômicos em FO sindrômica, houve apenas dois casos na presente casuística. Os resultados de sequenciamento completo de exoma tiveram uma taxa geral de rendimento diagnóstico de 30,77%, compatível com aquelas evidenciadas em indivíduos com déficit intelectual e em anomalias congênitas. Trata-se, portanto, de abordagem custo-efetiva para investigação etiológica em indivíduos com FO-MAC.
BIBLIOGRAFIA: Chambers TM, Agopian AJ, Lewis RA, Langlois PH, Danysh HE, Weber KA, Shaw GM, Mitchell LE, Lupo PJ (2018) Epidemiology of anophthalmia and microphthalmia: prevalence and patterns in Texas, 1999–2009. Am J Med Genet A
Gil-da-Silva-Lopes, VL, Tacla, MA, Sgardioli, IC, Vieira, TP, Monlleó, IL. Brazils Craniofacial Project: Different approaches on orofacial clefts and 22q11.2 deletion syndrome. Am J Med Genet Part C. 2020; 184C: 912– 927. https://doi.org/10.1002/ajmg.c.31852
Harding P, Moosajee M. The Molecular Basis of Human Anophthalmia and Microphthalmia. J Dev Biol. 2019 Aug 14;7(3):16. doi: 10.3390/jdb7030016
Volpe-Aquino, R. M., Monlleó, I. L., Lustosa-Mendes, E., Mora, A. F., Fett- Conte, A. C., Félix, T. M., ... Gil-da-Silva-Lopes, V. L. (2018). CranFlow: An application for record-taking and management through the Brazilian database on craniofacial anomalies. Birth Defects Research, 110(1), 72–80. https://doi.org/10.1002/bdr2.1123
PALAVRA-CHAVE: base de dados; fenda oral; espectro microftalmia-anoftalmia-coloboma; etiologia; exoma; array