DETERMINANTES DO ACESSO OPORTUNO AOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SAÚDE MENTAL EM UM MUNICÍPIO PAULISTA DE MÉDIO PORTE

RESUMO

INTRODUÇÃO: Embora se reconheça que o estudo dos itinerários terapêuticos para o cuidado em saúde mental exerça um papel fundamental para a formulação de políticas públicas e reorganização dos serviços, esse tipo de estudo ainda é incipiente no país (Amaral et al., 2018). Estudos internacionais apontam que vários fatores podem influenciar no acesso ao atendimento especializado de saúde mental, tais como: idade, sexo, etnia, crenças sobre doença mental, envolvimento da família na busca de ajuda, características geográficas e aspectos relacionados à disposição dos sistemas de atenção (ex. fluxos e estrutura dos serviços) (Ferrari et al., 2016). O reconhecimento desses fatores é especialmente relevante no contexto brasileiro, pois embora o sistema de saúde do país opere em níveis de atenção, seus serviços comunitários e ambulatoriais especializados em saúde mental oferecem acesso por diversas formas, inclusive por demanda espontânea (Amaral et al., 2018).

OBJETIVOS: Buscando contribuir para o preenchimento de uma lacuna na literatura nacional, o objetivo desse estudo foi avaliar os determinantes do acesso oportuno aos Serviços Especializados de Saúde Mental (SESM) em um município paulista de médio porte.

MÉTODOS: Foi realizado um estudo transversal no período de agosto a novembro de 2019 com usuários de três Serviços Ambulatoriais de Atenção à Saúde Mental do município de Itatiba, localizado a aproximadamente 80 km da capital do estado de São Paulo. A seleção dos participantes foi realizada por amostragem aleatória simples. A partir de uma lista de usuários do serviço ambulatorial, foram selecionados os prontuários de 386 usuários que atenderam aos critérios de inclusão, contatados por telefone e convidados a participar do estudo. Os critérios de inclusão foram ter idade >18 anos e estar matriculado no serviço há pelo menos um mês. Foram excluídos do estudo os indivíduos que relataram ter recebido diagnóstico de deficiência intelectual, o que poderia comprometer sua capacidade de responder ao questionário. O atendimento oportuno no Serviço Especializado de Saúde Mental foi definido como o atendimento do usuário em até 15 dias após o encaminhamento. Para mensurar esse desfecho, foi utilizada a seguinte questão: “Quanto tempo demorou do seu encaminhamento (ou autorreferência) para este serviço até a sua primeira consulta aqui?”. Associações entre o atendimento oportuno em SESM e as covariáveis incluídas no estudo foram testadas por meio de modelos de regressão de Poisson não ajustados e ajustados com estimadores de variância robustos. O estudo foi aprovado por um Comitê de Ética credenciado, seguindo as normas e diretrizes brasileiras regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (Resolução CNS 466/2012).

RESULTADOS: Responderam ao questionário do nosso estudo 341 usuários de SESM, sendo 33,7% (n = 115) vinculados a um Centro de Atenção Psicossocial II, 34,0% (n =116) vinculados a um Centro de Atenção Psicossocial AD e 32,3% (n = 110) vinculados a um Ambulatório. Informações relacionadas ao desfecho foram obtidas para 330 (96,8%) participantes. Entre esses, a prevalência de atendimento oportuno nos SESM (ter sido atendido em até 15 dias do encaminhamento) foi de 60,0% (IC 95% 54-65). Evidenciou-se associação entre o desfecho e diagnósticos de psicose (RR: 1,47; IC 95% 1,06, 2,04) e uso indevido de substâncias psicoativas (RR: 1,70; IC 95% 1,24, 2,32). Ao mesmo tempo, identificou-se associação inversa do atendimento oportuno em SESM com os seguintes desfechos: maior renda per capita (RR: 0,74; IC 95% 0,55, 0,99); ter sua necessidade de atenção à saúde mental identificada em consulta por queixas gerais (RR: 0,53; IC 95% 0,32, 0,87); ter sido encaminhado ao serviço atual pela Atenção Básica (RR: 0,61; IC 95% 0,40, 0,93); e frequentar o serviço atual por até 3 anos. O atraso para o primeiro atendimento devido ao problema de saúde mental também esteve inversamente associado ao atendimento oportuno em SESM. Exceto aqueles que demoraram mais de um ano para comparecer à primeira consulta, os pacientes que esperaram mais de 7 dias para serem atendidos demonstraram menor risco do desfecho em comparação com aqueles que esperaram até 30 dias (RR: 0,70; IC 95% 0,53, 0,93), até 90 dias (RR: 0,46; IC 95% 0,31, 0,68), ou até um ano (RR: 0,43; IC 95% 0,25, 0,74).

CONCLUSÃO: Os resultados do estudo evidenciam aspectos que precisam ser levados em conta na formulação de políticas que garantam acesso mais fácil e oportuno aos cuidados de saúde mental. Destaca-se a necessidade de fortalecer a comunicação dos serviços especializados com a Atenção Básica e a necessidade de qualificar o atendimento desde o primeiro atendimento dos usuários na rede de atenção.

BIBLIOGRAFIA: Amaral C, Onocko-Campos R, de Oliveira P, Pereira M, Ricci E, Pequeno M, et al. Systematic review of pathways to mental health care in Brazil: narrative synthesis of quantitative and qualitative studies. Int J Ment Health Syst. 2018. https://doi.org/10.1186/s13033-018-0237-8. Ferrari M, Flora N, Anderson K, Haughton A, Tuck A, Archie S, et al. Gender differences in pathways to care for early psychosis. Early Intervention in Psychiatry. 2016;12(3):355–61. https://doi.org/10.1111/eip.12324.

PALAVRA-CHAVE: Acesso aos Serviços de Saúde; Serviços Comunitários de Saúde Mental; Saúde Mental.