RESUMO
INTRODUÇÃO: A glândula tireoide é responsável pela produção de Tiroxina (T4) e de Triiodotironina (T3) e, sua principal função envolve o controle da homeostasia. Contudo, substâncias denominadas disruptores endócrinos estão presentes em uma grande variedade de compostos ambientais e podem interferir no funcionamento da glândula. Nesse grupo, destaca-se o bisfenol-A, que constitui a unidade básica de polímeros e revestimentos de alto desempenho, principalmente plásticos policarbonatos e resinas epóxi.
O bisfenol A (BPA) é um conhecido disruptor endócrino que produz importante alteração no metabolismo tireoidiano. Ele pode interferir na atividade transcricional do TSH, alterando a transcrição de genes associados ao T3 e modulando a atividade em diferentes linhagens celulares. No entanto, os efeitos diretos do BPA nas células da tireoide, especialmente nas células tireoidianas neoplásicas, ainda são pouco compreendidos.
OBJETIVOS: Este estudo teve como objetivo estudar os efeitos citotóxicos in vitro do BPA em duas nas linhagens celulares bem representativas da tireoide.
MÉTODOS: Foram testadas 14 concentrações diferentes de BPA, variando de 400µg/mL a 0,4µg/mL, incluindo o Limite de Migração Específica (LME) = 1μg/mL conforme recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em duas linhagens de células da tireoide humana: Nthy-ori 3-1 (células foliculares normais da tireoide) e TPC-1 (de carcinoma papilar). A análise de viabilidade celular e citotoxicidade foram realizadas utilizando o ensaio de azul de Tripan, viabilidade dependente da integridade da membrana celular, e o ensaio Cell Counting Kit – 8 (CCK-8), baseado na atividade metabólica de desidrogenases celulares. As células foram expostas por 24 e 48 horas e os experimentos foram realizadas em triplicata técnica e biológica.
RESULTADOS: Na linhagem Nthy-ori 3-1, os resultados mostram a não linearidade entre dose-resposta em ambos os tempos de exposição, um padrão característico de um disruptor, porém, nas maiores doses houve muita morte celular. De fato, 100μg/mL mataram quase todas as células (99% em 24h e 97% em 48h), enquanto as doses de 0,78µg/mL; 4µg/mL e 12,5µg/mL causaram 50% de morte em 24 horas. A dose de LME (1µg/mL), limite permitido pela ANVISA, resultou em 79% das mortes de células após 24h de exposição. No entanto, apenas 7% das células estavam mortas após 48h, fato observado em todas as concentrações, o que sugere um mecanismo de recuperação para maior exposição ao BPA. Por microscopia óptica foi observado células descoladas da placa, algumas células irregulares e poucos debris após a concentração de 1,56µg/mL. Concentrações de 100 a 400µg/mL possuíam pequenas células mortas escuras, formando aglomerados.
A linhagem TPC-1 apresentou um comportamento diferente, com efeito citotóxico dose-dependente quase linear e muito mais resistência ao efeito citotóxico do BPA em baixas doses. De fato, 0,4 a 3,125μg/mL produziram menos de 15% de morte celular. Pelo contrário, concentrações de BPA de 100 a 400µg/mL mataram quase todas as células TPC-1 em ambos os tempos. No entanto, na microscopia havia muitas células soltas nos poços das placas nas concentrações de 3,125µg/mL e 40-40µg/mL; aglomerados de células e células com tamanho reduzido em 100 e 400µg/mL.
Em relação à atividade metabólica das células viáveis por CCK-8, a linhagem Nthy-ori 3-1 obteve mais viabilidade celular com as cinco concentrações testadas em ambos os tempos comparada com a linhagem TPC-1. Em 24 horas, a maior viabilidade celular foi com a concentração de 12,5µg/mL com 40% de células viáveis e a menor viabilidade foi de 12% com a maior concentração (100µg/mL). Em 48 horas, 41% foi a maior porcentagem de viabilidade com 4µg/mL e novamente, a menor viabilidade foi com a maior dose, de 100µg/mL. Já a linhagem TPC-1, a porcentagem de viabilidade foi muito baixa em todas as concentrações e tempos. A maior viabilidade chegou em 4% em 24 horas e 3% em 48 horas nas concentrações de 12,5 e 100µg/mL.
CONCLUSÃO: Concluímos que a linhagem celular de carcinoma papilífero é mais resistente do que a linhagem normal a baixas concentrações de BPA (de 0,4 a 50µg/mL), mas esse disruptor endócrino causa mais de 90% de morte celular em células da tireoide normais e neoplásicas.
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PALAVRA-CHAVE: bisfenol-A, disruptor endócrino, glândula tireoide