RESUMO
INTRODUÇÃO: O carcinoma de células escamosas de faringe (CCEF) representa um grave problema de saúde mundial[1]. Os principais fatores de risco são o tabagismo e o etilismo crônicos[1] e a infecção pelo HPV[2]. Múltiplos eventos genéticos, como a perda ou a aquisição de funções de proteínas que controlam a homeostase celular são responsáveis pela ocorrência e agressividade do CCEF[3]. Entre elas, aquelas envolvidas com as vias de sinalização WNT, MAPK e PI3K/AKT são comumente encontradas no CCEF, promovendo a proliferação, a sobrevivência e a migração de células do tumor[4].
Apesar das abordagens de tratamento agressivas, o índice de sobrevivência de cinco anos permanece inalterado nos últimos anos e apenas 30% dos pacientes atingem tal índice[5]. Um dos responsáveis pela falha terapêutica é a aquisição da resistência à cisplatina (CDDP) pelas células tumorais[6]. As células adquirem a resistência ao desenvolver um sistema de autodefesa contra os compostos citotóxicos, ativando ou silenciando a expressão de diversos genes[6].
Nosso estudo anterior observou que uma variante gênica de base única no gene que codifica a proteína do retículo endoplasmático 29 (ERP29) esteve associada ao risco e pior prognóstico do CCEF[7]. O ERP29 codifica uma proteína chaperona envolvida no enovelamento e secreção de proteínas[8]. O papel do ERP29 na ocorrência e progressão de tumores é controverso[9] e sua função no surgimento e progressão do CCEF é desconhecida, o que justifica o desenvolvimento do nosso estudo.
OBJETIVOS: Avaliar o papel do ERP29 na carcinogênese e na progressão do CCEF.
MÉTODOS: As células da linhagem celular humana de carcinoma de faringe (ATCC) sensíveis à CDDP (FaDu), tratadas com CDDP (FaDu-CDDP) e resistentes à CDDP (FaDu-R) foram cultivadas em condições ideais[10].
As células FaDu e FaDu-R foram submetidas ao ensaio de estresse do retículo endoplasmático (RE) por meio dos compostos tunicamicina e ácido 4-fenilbutírico, indutor e neutralizante do estresse, respectivamente. A análise dos genes GRP78 e GRP94, associados ao estresse do RE, foram realizadas por meio da qPCR.
As células FaDu, FaDu-CDDP e FaDu-R foram modificadas para apresentarem a superexpressão e o silenciamento do gene ERP29 por meio de ensaios de clonagem em vetor pcDNA3.1 e pelo siRNA, respectivamente, seguindo protocolo padrão.
As referidas células foram submetidas aos ensaios com citometria de fluxo para detecção do ciclo celular, apoptose e necrose. As análises de proliferação e migração celular foram realizadas por meio do kit comercial Cell Couting Kit-8 e pelo ensaio de cicatrização de ferida, respectivamente.
A expressão de 92 genes envolvidos em processos da carcinogênese, incluindo as vias WNT, MAPK e PI3K/AKT, associada com a expressão diferencial do ERP29, foram quantificadas pela PCR array e validadas pela qPCR.
As diferenças estatísticas entre os grupos foram calculadas por meio do teste t.
RESULTADOS: Observamos que o silenciamento do ERP29 diminuiu o estresse do RE das células FaDu e FaDu-R tratadas com tunicamicina quando comparadas àquelas com expressão do ERP29 (FaDu GRP78 fold change (FC): 0,1, p<0.001; FaDu GRP94 FC: 0,2, p<0,001; FaDu-R GRP78 FC: 0,2, p<0,001; FaDu-R GRP94 FC: 0,3, p<0,02).
O silenciamento do ERP29 não modulou o ciclo celular e a proliferação nas células FaDu e FaDu-R. O silenciamento do ERP29 também não influenciou as fases do ciclo celular nas células FaDu-CDDP, mas aumentou a proliferação celular quando comparado às células com superexpressão do gene (FC: 1,1, p=0,04).
Em células FaDu, FaDu-CDDP e FaDu-R, o silenciamento do ERP29 não modulou a apoptose, entretanto, o silenciamento diminuiu a necrose (FaDu FC: 0,4, p<0,001; FaDu-CDDP FC: 0,2, p=0,02; FaDu-R FC: 0,4, p=0,02) e aumentou a migração celular (FaDu FC: 1,6, p<0,001; FaDu-CDDP FC: 1,4, p=0,002; FaDu-R FC: 1,4, p=0,01) quando comparado às células com superexpressão do ERP29.
Em células FaDu, o silenciamento do ERP29 influenciou o aumento da expressão dos genes APC (FC: 5,9, p=0,04), TCF3 (FC: 5,7, p=0,001) (via WNT), SOS1 (FC: 5,9, p=0,04), KRAS (FC: 3,5, p=0,01), MAPK1 (FC: 2,4, p=0,03) (via MAPK), ERBB2 (FC: 3,4, p=0,01), SRC (FC: 5,8, p=0,01), AKT1 (FC: 17,5, p=0,004), ITGAV (FC: 6,7, p=0,01), JUN (FC: 29,0, p=0,01), CCNE1 (FC: 2,0, p=0,002) e MDM2 (FC: 6,5, p=0,002) (via PI3K/AKT).
Em células FaDu-CDDP, o silenciamento do ERP29 diminuiu a expressão dos genes MDM2 (FC: 0,6, p=0,02) e CASP9 (FC: 0,5, p=0,02) (via PI3K/AKT).
Em células FaDu-R, o silenciamento do ERP29 aumentou os níveis de expressão dos genes SOS1 (FC: 2,2, p=0,002), MAPK1 (FC: 2,1, p=0,002), AKT1 (FC: 2,2, p=0,04) e CCNE1 (FC: 1,4, p=0,02), e diminuiu os níveis de expressão dos genes KRAS (FC: 0,1, p<0,001), ERBB2 (FC: 0,4, p=0,02), JUN (FC: 0,5, p=0,03) e CASP9 (FC: 0,3, p<0,001).
CONCLUSÃO: O silenciamento do ERP29 parece interromper a necrose e aumentar a migração de células do carcinoma de faringe, e modular a expressão de genes das vias WNT, MAPK e PI3K/AKT. Após validação desses resultados, esperamos contribuir com o desenvolvimento de um alvo terapêutico para o tratamento do tumor.
BIBLIOGRAFIA:
1. Mendenhall W et al. Treatment of head and neck cancers. In: De Vita VT, Lawrence TS, SA R, editors. Cancer: Principles & Practice of Oncology. 9 ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2011. p. 729-80.
2. Dayyani F et al. Meta-analysis of the impact of human papillomavirus (HPV) on cancer risk and overall survival in head and neck squamous cell carcinomas (HNSCC). Head Neck Oncol. 2010;2:15.
3. Leemans CR et al. The molecular biology of head and neck cancer. Nat Rev Cancer. 2011;11(1):9-22.
4. Molinolo AA et al. Dysregulated molecular networks in head and neck carcinogenesis. Oral Oncol. 2009;45(4-5):324-34.
5. Philouze P et al. Salvage surgery for oropharyngeal squamous cell carcinomas: A retrospective study from 2005 to 2013. Head Neck. 2017;39(9):1744-50.
6. Shen DW et al. Cisplatin resistance: a cellular self-defense mechanism resulting from multiple epigenetic and genetic changes. Pharmacol Rev. 2012;64(3):706-21.
7. Carron J et al. Role of a genetic variation in the microRNA-4421 binding site of ERP29 regarding risk of oropharynx cancer and prognosis. Sci Rep. 2020;10(1):17039.
8. Sargsyan E et al. Identification of ERp29, an endoplasmic reticulum lumenal protein, as a new member of the thyroglobulin folding complex. J Biol Chem. 2002;277(19):17009-15.
9. Chen S & Zhang D. Friend or foe: Endoplasmic reticulum protein 29 (ERp29) in epithelial cancer. FEBS Open Bio. 2015;5:91-8.
10. Naik PP et al. Autophagy regulates cisplatin-induced stemness and chemoresistance via the upregulation of CD44, ABCB1 and ADAM17 in oral squamous cell carcinoma. Cell Prolif. 2018;51(1).
PALAVRA-CHAVE: Câncer de faringe, ERP29, Estresse do retículo endoplasmático, Quimioresistência, Necrose, Migração celular