RESUMO
INTRODUÇÃO: A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal crônica cuja etiologia permanece desconhecida, caracterizada por períodos de atividade e remissão. Apresenta-se com lesões irregulares e transmurais que podem acometer qualquer parte do trato gastrointestinal, desde a boca até ânus. Pacientes com DC podem apresentar lesões perianais, como plicomas, fissuras, úlceras, abscessos e fístulas. Além das complicações típicas da doença, a DC está relacionada à ocorrência de malignidade. O câncer colorretal tornou-se uma doença comum nos países ocidentais e é responsável por aproximadamente 10% das mortes relacionadas ao câncer. Os principais fatores associados a esse aumento são o envelhecimento populacional, maus hábitos alimentares, tabagismo e obesidade. O adenocarcinoma mucinoso é um subtipo de câncer colorretal caracterizado por mais de 50% do tecido tumoral apresentar componentes mucinosos extracelulares. A ocorrência de adenocarcinoma mucinoso em fístulas perianais de pacientes com DC é rara. A localização desse tipo de tumor é extramucosa, com o tumor se originando do epitélio que reveste a fístula perianal internamente. Assim, relatamos o caso de um adenocarcinoma mucinoso em uma fístula perianal de um paciente com DC.
OBJETIVOS: Apresentar um relato de caso raro de um adenocarcinoma mucinoso em fistula perianal em um paciente com DC.
RESULTADOS: Paciente do sexo masculino, 71 anos, iniciou acompanhamento no Ambulatório de Coloproctologia do Hospital de Clínicas da Unicamp em dezembro de 2018, após ser encaminhado de um serviço externo onde foi diagnosticado com DC colorretal perianal em 1999, sem relato de cirurgias. As comorbidades do paciente eram hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica (ex-fumante de 35 maços de cigarro/ano), consumo ativo de álcool e história de tuberculose pulmonar e hepatite C, ambos tratados. Em relação à DC, ele não se queixou de dor abdominal ou diarreia na avaliação e estava em remissão clínica (valor do índice de atividade da DC de 89). Ele havia iniciado infliximabe (300 mg a cada quatro semanas) e azatioprina (150 mg por dia) um ano antes e havia usado sulfassalazina anteriormente por 15 anos. Devido ao histórico de tuberculose e hepatite C, o anti-TNFα (anti-fator de necrose tumoral α) foi suspenso até liberação pelo serviço de Infectologia do Hospital. Foram solicitadas ressonância magnética e colonoscopia para o estadiamento da doença, que mostrou remissão endoscópica. O paciente perdeu o acompanhamento ambulatorial devido a pandemia do novo coronavírus. Retornou ao ambulatório em junho de 2021 com queixa de dor perianal intensa e massa em região glútea com sangramento local. Negava emagrecimento, dor abdominal ou alteração do hábito intestinal. Estava em uso apenas de azatioprina e não fazia uso de infliximabe desde sua descontinuação em 2018. Ao exame físico apresentava índice de massa corporal de 21,64 kg/m², abdome normal e fístulas complexas em região perianal direita, associadas a massa regional com ulceração e sinais flogísticos locais e orifícios fistulosos com drenagem espontânea de secreção serossanguinolenta de aspecto gelatinoso. A tomografia de abdome revelou massa perianal expansiva, heterogênea e sólida à direita, com comportamento infiltrativo e bordas indefinidas, medindo 12,3×4,5×8,4cm, com áreas necróticas liquefativas intercaladas (conteúdo mucinoso aparente). Além disso, o exame mostrou invasão da região perineal e escrotal, canal anal e músculos do assoalho pélvico à direita; a massa contactou o ápice da próstata, sem invasão nítida, e linfonodomegalia das cadeias inguinal, ilíaca externa e obturadora bilateral levantou a suspeita de envolvimento secundário, sem evidência de metástases à distância. O paciente foi encaminhado ao centro cirúrgico para realização de biópsia incisional, que confirmou a presença de adenocarcinoma mucinoso. A ressonância magnética pélvica pré-operatória revelou hipersinal em T2, sugerindo adenocarcinoma mucinoso. A colonoscopia pré-operatória revelou que a DC estava em remissão. A abordagem cirúrgica indicada foi a ressecção retal abdominoperineal extraelevadora com prostatectomia parcial, realizada em setembro de 2021. A análise histopatológica e imuno-histoquímica da peça cirúrgica confirmou a hipótese de adenocarcinoma mucinoso originado em fístula perianal e revelou margens cirúrgicas livres de tumor. O paciente permanece em acompanhamento pelas equipes de oncologia e coloproctologia, sendo iniciado tratamento adjuvante com Xeloda (dose 60%). A azatioprina foi suspensa e o paciente permanece sem medicação para DC. Infelizmente, pequenas lesões apareceram no restante das regiões escrotais e inguinais, sugerindo recorrência da doença seis meses após a cirurgia. A biópsia de linfonodos inguinais confirmou adenocarcinoma mucinoso. O paciente está recebendo tratamento quimioterápico como regime paliativo.
CONCLUSÃO: A ocorrência de adenocarcinoma mucinoso em fístulas perianais de pacientes com DC é extremamente rara. Poucos estudos na literatura descrevem essa ocorrência; portanto, o objetivo deste relato foi descrever a progressão, diagnóstico e manejo desta doença. A associação entre raridade no evento, e sintomas muitas vezes inespecíficos leva à dificuldade em seu diagnóstico precoce. A hipótese diagnóstica de adenocarcinoma mucinoso deve ser suspeitada em pacientes com DC que apresentam envolvimento perineal de longo prazo com fístulas. Biópsias e exames de imagem devem ser realizados para auxiliar no diagnóstico do quadro e assim contribuir para o planejamento cirúrgico.
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PALAVRA-CHAVE: Adenocarcinoma mucinoso, cirurgia colorretal, doença de Crohn, relato de caso