Os avanços da bioinformática e da genética para o diagnóstico e tratamento de doenças
Publicado por: Camila Delmondes
07 de outubro de 2015

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No filme Gattaca, de 1997, os seres humanos são escolhidos geneticamente em laboratórios. Vincent Freeman nasceu do amor de seus pais, sem preparos genéticos. Desde pequeno, ele tem o desejo de ser astronauta. Entretanto, seu código genético o predisposições a doenças que não lhe permitem alcançar esse sonho. Quase 20 anos depois, a genética aliada à bioinformática, consegue prever até 70 doenças inscritas no código genético (genoma) de qualquer pessoas. 

De acordo com a médica geneticista do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Íscia Lopes-Cendes, a genética avançou para o nível molecular e está cada vez mais dependente da bioinformática. “Dominar as análises, os algoritmos e outros processos oferecidos pela bioinformática é, hoje, essencial para qualquer pesquisador na área genética”, diz.

A bioinformática lida com uma enorme quantidade de dados e integra ferramentas computacionais analíticas, resultados obtidos por procedimentos laboratoriais e por equipamentos de sequenciamento genético de última geração, além de uma rede de cientistas de todos os cantos do planeta interligados pela internet. Os dados de sequenciamento do genoma completo de um indivíduo, por exemplo, ocupam o espaço de, aproximadamente, 20 milhões de músicas armazenadas em formato MP3.

A FCM participa, por meio de Benilton Carvalho, pesquisador e professor visitante do Departamento de Genética Médica, de uma rede internacional de desenvolvimento de metodologias e ferramentas para a análise de dados genômicos, o Bioconductor. Ele e um grupo de 26 pesquisadores da Europa e Estados Unidos publicaram na revista Nature Methods o artigo “Orquestrando a análise de genômica de alto rendimento com Biocondutor”.

“O Bioconductor é uma fundação sem fins lucrativos que estabelece programas e ações conjuntas entre instituições interessadas em bioinformática, aplicando e desenvolvendo software de código aberto, de alta reprodutibilidade e transparência, depositados em um repositório público. Estes módulos, que hoje são 1.024, podem ser baixados a custo zero. Esta estratégia permite a reprodução exata de uma pesquisa realizada no passado mesmo depois de anos da publicação original”, diz Benilton.

Essa tecnologia é aplicada no Brasil para o melhoramento genético do milho e do gado de corte, de forma a permitir e mesmo aumentar a produção em ambientes diversos, como áreas de pouca chuva ou temperaturas elevadas. Pesquisadores da área médica utilizam a bioinformática e as ferramentas oferecidas pelo Bioconductor no desenvolvimento de tratamentos para várias doenças.

“Algumas mutações genéticas fazem com que determinados pacientes não respondam bem a certos medicamentos. Um exemplo clássico é a enxaqueca. A informação genética do paciente pode ser usada para selecionar a terapia com maior potencial de sucesso no tratamento. A medicina genômica também permitirá a escolha de terapias que minimizem efeitos colaterais, como de quimioterapias”, explica.

Todas as informações básicas para o desenvolvimento do ser humano estão no DNA, que compõe o genoma. O exoma é uma pequena porção do genoma onde se encontram a maioria das mutações genéticas causadoras de doenças no homem. A partir do estudo do exoma, é possível estabelecer a associação entre marcadores moleculares para 60 a 70 doenças.

Nos Estados Unidos, existem instituições que fazem uso constante dessa tecnologia, mas o custo ainda é alto para os padrões brasileiros. O estudo acadêmico do exoma – equivalente a 2% do genoma humano – pode custar até R$ 5 mil reais para preparação de amostra, sem os custos de análise.

“Para que seja custo-efetivo, o sequenciamento deve contemplar múltiplas amostras simultaneamente, chegando a várias dezenas de indivíduos. À medida que outras instituições começarem a utilizar e distribuir a tecnologia, o custo deve cair”, acredita Benilton.

A Unicamp utiliza sequenciadores HiSeq-2500 para estudos de genomas, exomas e transcriptomas completos e equipamento MiSeq para estudos com pequenas listas de genes. O processo simplificado começa com a coleta do material biológico (sangue, tecido, cabelo ou unha, por exemplo). Em seguida, as moléculas a serem sequenciadas (DNA/RNA) são extraídas por processos bioquímicos. Este material é colocado numa placa, câmara de fluxo, e inserida no equipamento para a realização do sequenciamento, que pode durar até 12 dias.

No processo de sequenciamento, as bases nitrogenadas adenina, citosina, guanina e timina (ACTG) são identificadas por meio da análise de bilhões de imagens de altíssima definição e concatenadas em fragmentos de aproximadamente 100 bases. Uma equipe de analistas averigua a qualidade destes fragmentos (que podem chegar a centenas de milhões) e, então, determinam suas posições de acordo com um genoma de referência.

Esta fase, juntamente com as análises posteriores que envolvem a identificação de mutação ou quantificação da abundância de genes, pode requerer entre sete e dez dias para estudos relativamente pequenos. É também nesta fase analítica em que utilizam-se as ferramentas distribuídas pelo projeto Bioconductor, que empregam técnicas de computação paralela, na qual centenas de processadores podem ser utilizados simultaneamente para a determinação dos resultados de interesse.

“É como montar um quebra-cabeça com 90 milhões de peças e, em alguns casos, não temos sequer o modelo da figura a ser montada. Locais nos quais resultados inesperados foram observados de modo recorrente são candidatos a alterações estruturais, que incluem mutações genéticas. O último passo é associar tais regiões à doença estudada”, explica Benilton.

Íscia Lopes-Cendes diz que ao se fazer o sequenciamento do DNA, obtém-se informações para o diagnóstico de doenças que não estão relacionadas só com o motivo da consulta do paciente. “Ao sequenciar o gene que está causando epilepsia, por exemplo, posso ter informações de genes de predisposição para outras doenças e agir precocemente e preventivamente, nos casos possíveis de intervenção médica”, diz.

A médica geneticista Antonia Paula Marques de Faria e chefe do Ambulatório de Aconselhamento Genômico do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, disse que é a favor de aplicar essa tecnologia, mas com responsabilidade. “Isso não é um horóscopo genético, mas sim um instrumento poderoso que implica em questões éticas. A orientação é fundamental. Se não for bem feita, pode ser um estigma para o resto da vida do paciente e da família também”, diz a professora do Departamento de Genética Médica da FCM.

Leia matéria também no Boletim da FCM.



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