A substituição do exame citológico de Papanicolau pelo teste de HPV baseado em DNA pelo SUS antecipa o diagnóstico do câncer de colo de útero em 10 anos. É o que mostra estudo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Os resultados de cinco anos foram divulgados no início de setembro pela revista Scientific Reports, publicação da Nature.

A partir da adoção, por cinco anos, do teste de HPV baseado em DNA na cidade de Indaiatuba (SP), os pesquisadores detectaram casos prevalentes do câncer cervical, comumente conhecido como de colo de útero. A doença é causada por infecção do colo uterino por alguns tipos do vírus HPV.

O estudo denominado PREVENTIVO está sendo base para a adoção do teste de HPV em todo o SUS. Há um ano, o Ministério da Saúde está replicando a pesquisa em Recife. “O impacto do novo programa nacional, que deverá ser lançado pelo INCA no final de 2024 com base nos dados, irá evitar a morte de 350 mulheres por mês em curto prazo de atuação”, declara Júlio César Teixeira, professor do Departamento de Tocoginecologia da FCM e um dos autores do artigo.

“O programa atual é oportunístico e com demanda espontânea, cobrindo 15% a 30% das mulheres. O rastreamento não chega a 80% (alvo de cobertura) por falta de registro e gestão, não sendo possível identificar as ausentes ou saber onde estão. Assim, não há ações de convocação e estas mulheres negligenciadas irão comparecer apenas quando surgirem sintomas relacionados ao câncer e, geralmente, em estágios avançados”, esclarece o docente sobre as diferenças entre os exames.

O estudo iniciado em 2017 demonstrou que a utilização do teste de HPV em alta cobertura (58,7%; ou 77,8% se desconsiderado o período da pandemia) antecipou os diagnósticos em 10 anos, e em apenas 30 meses inverteu a taxa de 77% de estágios avançados que apresentam 50% de sobrevida, para 83% de estágios iniciais, virtualmente curáveis em 100%. Foram examinadas 20.551 mulheres da faixa etária-alvo do programa, entre 25 e 64 anos.  

Além de aumentar a detecção da doença, o exame de HPV se mostra ainda mais eficaz por poder ser repetido sistematicamente a cada cinco anos – enquanto o Papanicolau é recomendado a cada três anos. “O Programa Brasileiro com teste citológico não teve impacto após décadas. Morre uma mulher a cada 80 minutos, por volta de 45 anos. O teste de DNA-HPV é comprovadamente mais eficiente em vários aspectos e será uma necessidade para as mulheres previamente vacinadas contra a doença, que iniciarão o rastreio em 2025”, afirma Júlio.

Segundo o artigo, a cidade de Indaiatuba foi escolhida porque já possuía um sistema de saúde estruturado, no qual todas as unidades de atendimento estavam em rede. Foi desenvolvido um sistema digital centralizado para controlar a entrada no programa de triagem e monitorar o acompanhamento de resultados anormais de testes. Todos os profissionais de saúde foram treinados para seguir o fluxograma e foram adicionadas estratégias para fornecer orientação às pacientes sobre periodicidade e ações para identificar candidatas à triagem.

Júlio explica os próximos passos para expandir o modelo de rastreamento em outras regiões brasileiras. “As evidências produzidas foram cruciais para a incorporação do teste de HPV no SUS em março de 2024 e servem de base para a atualização das diretrizes brasileiras pelo INCA, que devem ser divulgadas em outubro. Na sequência, deverá ser definido: um sistema informatizado para registro e gerenciamento, o teste de HPV, insumos e reagentes, rede de laboratórios de PCR, de citologia em base líquida, de centros de diagnóstico e de tratamento, grupos prioritários, e um plano de implementação e expansão”.

Por fim, o professor da FCM mostra como a adoção do teste de DNA-HPV pode afetar as políticas de saúde pública. “Vimos que a antecipação dos diagnósticos de câncer já existentes e a alta taxa de detecção de lesões pré-câncer irão alavancar o país rumo à eliminação do câncer de colo de útero. Adicionalmente, comprovamos a economia financeira, que poderá ser utilizada em outras ações. E ainda, em poucos anos, todo o parque de radioterapia utilizado para as doenças avançadas poderá ser deslocado para outros cânceres”.

Grupo de trabalho

Entre os autores do artigo da Scientific Reports estão professores e alunos do Departamento de Tocoginecologia da FCM. Luiz Carlos Zeferino é o idealizador do projeto. Júlio Cesar Teixeira coordena e executa todas as etapas, que contam com a colaboração de Diama Bhadra Vale e Joana Fróes Bragança. Michelle Garcia Discacciati, pesquisadora de pós-doutorado, monitora as etapas laboratoriais e de registro de informações. Assinam ainda a publicação as alunas do Programa de Pós-graduação em Tocoginecologia: Círbia Silva Campos e Ilana Polegatto.

“A publicação de um relatório científico na quinta revista mais citada do planeta evidencia a qualidade do estudo e o impacto potencial na sociedade, com destaque para a nossa FCM. A iminente replicação do programa com real potencial de salvar vidas em todo o país pode ser considerada uma das ações de extensão da Unicamp de maior impacto. Para nós, pesquisadores, mais que a publicação ou reconhecimento, a importância se dá ao ver o resultado sendo aplicado em prol da população”, declara Júlio César.   

Scientific Reports

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