Conhecimento tradicional e acadêmico é tema de “Fórum da saúde dos acadêmicos indígenas” na FCM
Publicado por: Karen Menegheti de Moraes
02 de agosto de 2022

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Ocorreu na última sexta-feira (29), no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, o “Fórum da saúde dos acadêmicos indígenas”. O tema do encontro foi “Conhecimento tradicional e conhecimento acadêmico”. O evento integrou a programação do Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI) e teve ritual de abertura com os acadêmicos indígenas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

O coordenador do curso de Medicina da FCM, Fábio Husemann, cumprimentou os presentes. “Esse ano receberemos dois alunos indígenas, no próximo dia 15. Nosso curso está atrasado em relação a isso. Mas tenho certeza que será uma experiência muito boa”, afirmou. Já Erich de Paula, diretor associado da FCM, lembrou que fez parte da comissão que estabeleceu o vestibular em 2019, quando foi discutida a importância do ingresso dos indígenas. “Foram ponderadas questões com foco no benefício que o acesso traria para os ingressantes indígenas e a transformação que esperamos que ocorra no restante da comunidade. Hoje a gente começa a ver isso a se concretizar”, disse.

Tatiana Peixoto, da etnia Macuxi (Roraima), referência em Medicina Indígena, apresentou seu trabalho com produtos naturais. “Nós nascemos com a sabedoria indígena, que vem da ancestralidade, cosmologia e nosso povo – e que não se encontra em conceitos científicos”, disse. Ela afirmou que algumas trocas de saberes entre as mulheres indígenas não podem ser faladas inclusive no meio de seu povo, a não ser em sua linhagem. “São práticas com respeito à ancestralidade. Esse conhecimento é permanente pois caminha no decorrer do tempo, passando por gerações”. Tatiana, por fim, apresentou alguns dos produtos medicinais, como pomadas e garrafadas - combinações de plantas medicinais utilizadas no tratamento de enfermidades diversas.

A pesquisadora Aparecida Benites, da etnia Kaiowá, é historiadora e professora das redes estadual e municipal na Aldeia Amambai, no Mato Grosso do Sul. Ela presentou a pesquisa “Práticas tradicionais de cura e plantas medicinais mais prevalentes entre as etnias Guarani-Kaiowá na região Centro-Oeste”, que gerou livro, filme e músicas sobre o tema. O livro é resultado de um amplo diálogo entre o grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o povo Guarani e Kaiowá de seis aldeias localizadas em Mato Grosso do Sul. Já o documentário “Mboraihu: O espírito que nos une” reúne a fala de acadêmicos e profissionais de saúde, além de rezadores e outros detentores do conhecimento tradicional. Também apresenta de maneira sensível a realidade das comunidades, expondo o preconceito e violência. Por fim, foram gerados o álbum Takuapu Nengarai, da rezadora Orida Vilhalva, e Arandu, com canções tradicionais Guarani e Kaiowá. “Sofremos muita coisa nas aldeias. Nosso trabalho junto com a Fiocruz é de grande luta. A universidade é uma grande ponte para a gente mostrar a nossa vida, realidade e cultura”, disse Aparecida.

Ubiraci Pataxó, indígena e pesquisador em saúde coletiva na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), direcionou sua fala aos parentes indígenas. “Na cultura indígena, antes de se dar o medicamento, fazemos a leitura para descobrir se a dor é no corpo, mente ou espírito. Aqui na cidade se separa tudo. Só podemos aprender medicina olhando para si mesmos. Quando você estiver com uma pessoa é o encontro de dois especialistas: um numa área que estudou, e outro, de si mesmo. Isso está dentro da prática de saúde familiar e comunitária”, relatou.

Por fim, João Ernesto de Carvalho, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, explanou a contribuição dos povos indígenas para a descoberta de medicamentos originários de plantas. Ele falou sobre a Lei 13.123/2015 e o Decreto Regulamentador 8.772/2016, que dispõem sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. “Hoje, pela legislação, 1% do faturamento de uma indústria que se beneficia de medicamentos de origem ancestral tem que voltar para aquela comunidade”, disse. Daí vem a importância da luta pela retroatividade da lei e pela preservação do conhecimento originário. “Todos os medicamentos puros que vieram de plantas medicinais partiram de uma informação ancestral, em todos continentes”, afirmou João, completando: “A cada mulher ou homem da Medicina Indígena que morre, uma farmacopeia (livro que reúne a composição de todos medicamentos) é perdida”.

Saúde do estudante indígena

No período da tarde, o tema foi a discussão da saúde dos estudantes indígenas. A esse respeito, o professor do Departamento de Saúde Coletiva da FCM, Nelson Filice, afirmou ser “uma questão muito desafiadora. Existe uma política pública especifica de saúde indígena. Se a seguirmos a rigor, deveria existir um serviço de saúde indígena dentro da faculdade. Tudo isso deve ser discutido. Quando os indígenas vêm para dentro da universidade, eles trazem consigo mais de 500 anos de história de invisibilidade, violência e perseguição. Por isso temos que debater como, dentro da estrutura universitária, trazer isso em forma de conhecimento”, declarou.

Fotos: Marcelo Santa Rosa


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