“O câncer é o retrato da desigualdade no Brasil”, afirma docente da UERJ na FCM
Publicado por: Camila Delmondes
22 de agosto de 2022

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Ocorreu na tarde da última quarta-feira (17) a aula aberta inaugural da disciplina Tópicos em Epidemiologia (SC395), do curso de pós-graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A atividade foi promovida pelo Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde (CCAS) da FCM, no contexto do projeto temático “Desigualdades sociais em saúde nos municípios sedes de duas metrópoles paulistas: mensuração, monitoramento e análise”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A aula “O câncer do câncer no Brasil: quais os maiores desafios?” foi ministrada pela docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Gulnar Azevedo e Silva, sanitarista e ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Gulnar apresentou diversos estudos sobre o aumento dos casos de câncer, no Brasil e no mundo. Globalmente, foi identificada a desigualdade da ocorrência e sobrevida ao câncer no mundo em função do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Uma das tendências encontradas é que o câncer pode passar as doenças cardiovasculares, como causa de morte, ainda neste século.

No Brasil, Gulnar também destacou dados que mostram que nem sempre os avanços da Medicina são acessíveis a todos os indivíduos em função da marcante desigualdade. A mortalidade na região Sul, por exemplo, é maior por conta da população mais velha, segundo dados de 2019 do Ministério da Saúde. Analisando dados de 1980 a 2019, a tendência de mortalidade nas capitais é de queda, enquanto no interior é de crescimento.

“O câncer é o retrato da desigualdade no Brasil. A região Norte, como vimos durante a pandemia de Covid-19, é a que tem menos acesso aos serviços de saúde. A mortalidade por câncer nessa parte do país, de 1980 a 2019, somente cresceu”, disse Gulnar. Assim, apesar da queda da mortalidade observada nos últimos 40 anos, o câncer de estômago cresce nas regiões Norte e interior da Nordeste; enquanto o de colo do útero aumenta no interior da região Norte.

Diante desse cenário, a palestrante apresentou prioridades para o controle do câncer de acordo com cada fase da doença. Para a prevenção, que evitaria de 30 a 50% do total de casos, é importante o controle de fatores de risco, como o tabagismo, inatividade física, obesidade, uso abusivo de álcool, além da aplicação de vacinas HBV e HPV.

Também há dificuldades no tempo entre rastreamento, diagnóstico e tratamento. Mesmo em São Paulo, estado com mais acesso, os intervalos entre os atendimentos são superiores aos necessários. Uma das pesquisas mostra que no estado paulista, de 2010 a 2013, apenas 6,8% desses atendimentos ocorrem em até 30 dias, considerado o tempo ideal o intervalo entre a lesão de alto grau detectada no exame Papanicolau e o diagnóstico.

Estudo com dados dos Registros Hospitalares de Câncer (RHC) do Governo Federal, por sua vez, revela que o percentual de diagnósticos em estágio avançado de câncer de colo do útero aumentou no período de 2000 a 2012. As mulheres com ensino superior tiveram menores chances de estadiamento avançado, comparadas a analfabetas. Já as brancas tiveram menores chances frente às indígenas e negras. Entre 2001 e 2014, se 80% das mulheres diagnosticadas nos estágios III e IV, nos cinco anos anteriores, fossem diagnosticadas no estágio II, 50% das mortes seriam evitadas (4.700 pessoas).

Por fim, a professora apontou os principais desafios para enfrentar esse cenário, como aprimoramento dos sistemas de informações em saúde; incentivo a parcerias entre universidades e centros de pesquisa; e contribuição na elaboração de políticas de prevenção e controle. E, ainda, destacou a necessidade de financiamento no setor de Saúde, prejudicado pelo congelamento do teto de gastos (Emenda Constitucional 95/2016), bem como a falta de médicos na atenção básica.

Fotos: Marcelo Santa Rosa/ARPI



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