TDAH: tratar, medicar ou o que fazer?

 

Desatenção, inquietação e impulsividade viraram sinônimo de doença: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou simplesmente TDAH. Há quem diga que não exista. Há quem afirme ser portador desse transtorno. O TDAH começou a ser identificado na primeira década do século XX e é um dos transtornos mais estudados em medicina. Seu diagnóstico é controverso e polêmico. Dependendo dos critérios diagnósticos adotados, da população estudada, do sexo, da faixa etária entre outros fatores, as taxas de prevalência de TDAH podem variar entre 1% a 20%. Os critérios diagnósticos mais utilizados são os da Associação Americana de Psiquiatria (DSM, atualmente em sua 5a edição) e a CID, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Se o diagnóstico suscita debates acalorados, o tratamento do TDAH muito mais. Psiquiatras, psicólogos, educadores e pediatras nem sempre concordam com a prescrição de medicação – especialmente os psicoestimulantes à base de metilfenidato – o mais popular é a ritalina. Alguns profissionais alegam o risco de dependência e a criação de uma geração acrítica e obediente para embasar suas opiniões sobre o transtorno. Outros, a tábua de salvação. Informações sobre TDAH aparecem a toda hora na mídia. A preocupação dos pais é grande – tratar, medicar ou o que fazer? E dos profissionais também.

O ambulatório de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp recebe centenas de crianças e adolescentes todos os meses. Entre 40% a 50% das crianças e um terço dos adolescentes atendidos no ambulatório recebem o diagnóstico de TDAH, segundo a médica psiquiatra Eloisa Helena Rubello Valler Celeri. “Talvez, existam diagnósticos apressados e uso inadequado da medicação para tratar o TDAH. Mas, por outro lado, também existem crianças que não estão sendo diagnosticadas e tratadas. Dessa forma, todo o potencial criativo e desenvolvimento da criança estão sendo prejudicados, com consequências sérias para seu desenvolvimento social e afetivo”, explica.

Entre um atendimento clínico, aula para alunos de graduação e pós-graduação e a coordenação do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Eloisa concedeu entrevista para falar sobre critérios de diagnóstico, prescrição de medicamento, efeitos colaterais, terapias alternativas e novos campos da ciência que irão auxiliar no entendimento de uma doença inquietante e polêmica.

O que é TDAH?

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um transtorno de início precoce caracterizado por um padrão de comportamento que inclui desatenção, hiperatividade e impulsividade. As crianças, normalmente, são impulsivas, ativas, e desatentas. Quando esse padrão for suficientemente impactante e prejudicar o aprendizado da criança na escola, o convívio social e familiar, entendemos que isso pode ser um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

Como é feito o diagnóstico de TDAH?

O diagnóstico é feito a partir de uma avaliação clínica por um profissional experiente que conheça bem desenvolvimento e psicopatologia infantil. É preciso conhecer outras patologias, o histórico e as características da família onde essa criança vive, como é escola onde estuda e qual a expectativa da família em relação à criança. E isso demora. Não é um questionário de “sim ou não” ou a aplicação pura e simples dos critérios diagnósticos das classificações que irão dizer se uma criança tem ou não TDAH.

Quais são os parâmetros de classificação da doença?

Normalmente, existem crianças mais ou menos atentas, mais ou menos ativas e mais ou menos impulsivas. As classificações colocam uma linha de corte que nos ajudam a dizer aonde estaria o limite entre o normal e o patológico. Mas o julgamento é clínico, sendo de fundamental importância que o profissional tenha experiência suficiente para dizer se aquela criança necessita de algum tipo de intervenção terapêutica, medicamentosa, psicoterápica, psicopedagógica ou não.

Quais as intervenções ou tratamentos indicado no caso de TDAH?

TDAH não é igual a medicação à base de metilfenidato. Antes de prescrever o medicamento, o médico e a família devem avaliar bem os prós e os contras. Às vezes, uma orientação aos pais, uma ajuda pedagógica na escola ou terapia são suficientes para tratar a criança. O psicoestimulante – ritalina ou outros disponíveis no mercado brasileiro – é uma possibilidade, mas não necessariamente o único caminho para o tratamento.

A ritalina causa dependência ou efeitos colaterais?

Como toda medicação, pode ter efeitos colaterais. Ela pode aumentar a frequência cardíaca, causar hipertensão, dor de cabeça ou perda de peso e, eventualmente, levar a uma diminuição no crescimento. Porém, é uma medicação estudada há muito tempo e tem um perfil seguro. Em relação a causar dependência, os estudos têm demonstrado que, pelo contrário, o tratamento adequado, inclusive com psicoestimulantes, parece prevenir o uso de substâncias ilícitas.

O tratamento inibe a criatividade da criança?

Pelo contrário, o tratamento adequado e adaptado especialmente àquela criança vai possibilitar um melhor funcionamento social e escolar, favorecendo que toda sua potencialidade cognitiva e relacional possam se efetivar. Com um TDAH grave, a criança terá dificuldades para se relacionar com outras crianças e com a família; terá dificuldades em aceitar e seguir determinadas regras, podendo envolver-se em brigas, discussões, ser rejeitada por não conseguir parar quieta ou prestar atenção, ser considerada burra ou preguiçosa por não ter o desempenho escolar esperado, sofrer bullying e até ser expulsa da escola por mal comportamento. Ao ser tratada adequadamente, ela terá a possibilidade de desenvolver todo seu potencial e amadurecer de uma forma mais saudável e feliz.

O tratamento do TDAH é para a vida toda ou não?

Ele é compreendido como um transtorno do neurodesenvolvimento, portanto crônico. Parte dessas crianças, com o passar do tempo, vão encontrando formas de lidar com essas dificuldades e encontrarão o seu próprio caminho. Aquelas que não conseguem transpor essas dificuldades vão precisar de um acompanhamento e tratamento para o resto da vida.

O que pode comprometer o neurodesenvolvimento da criança e desencadear a doença?

Este é um transtorno onde aspectos genéticos e ambientais devem ser levados em consideração. Sabemos também que há uma maior prevalência de TDAH em crianças cujas mães utilizaram álcool. Geralmente existe uma somatória de fatores de risco.

O que podemos esperar da ciência para atender melhor o TDAH?

Hoje, talvez estejamos chamando de TDAH um grupo de transtornos de causas múltiplas. Vemos crianças onde predominam a hiperatividade e a impulsividade e outras crianças onde predomina a desatenção. E colocamos tudo embaixo desse imenso guarda-chuva chamado TDAH. Um melhor conhecimento do funcionamento cerebral trazido pelas pesquisas em neurociências e neuropsicologia, pesquisas sobre fatores de risco ambientais entre outras auxiliarão, talvez, a encontrar biomarcadores ou testes mais precisos que nos auxiliarão no diagnóstico e tratamento deste transtorno. Entretanto, todo avanço científico nunca será capaz de substituir uma boa clínica, centrada no indivíduo, na família e nas condições sociais. Os avanços da ciência nos ajudarão em nossa avaliação clínica, mas não a substituirá.

Texto: Edimilson Montalti - ARP-FCM/Unicamp

Fotos: Marcelo Oliveria - CADCC-FCM/Unicamp