Balé mostra fragilidade da educação pública, revela estudo

O trabalho de conclusão de curso de enfermagem “Modos de ser de escolares em risco social: relações familiares, balé clássico e alfabetização”, de Flávia Pagliusi e Luciana de Lione Melo, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, ganhou o primeiro lugar no Prêmio SOBEP da Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras, conferido ao melhor trabalho na área de Enfermagem em Saúde do Recém-Nascido, Criança e Adolescente, categoria profissional.

O trabalho foi apresentado pela orientadora e coordenadora do curso de graduação em enfermagem da FCM, Luciana de Lione Melo, durante o IV Congresso Brasileiro de Enfermagem Pediátrica e Neonatal, ocorrido em outubro em São Luis, Maranhão. Flávia é bailarina e se formou ano passado em enfermagem e este ano passou em dança, no Instituto de Artes. Os pais mantém uma ONG no complexo Gênesis-Moscou-Cafezinho, no município de Campinas, onde foi realizada a pesquisa.

Ela queria juntar o balé clássico com alguma atividade voltada para criança em risco social. Inicialmente, ela imaginou que questões de violência poderiam surgir, considerando o risco que as crianças estavam expostas. Mas o trabalho mostrou uma realidade que não pensamos encontrar”, disse Luciana em tom de suspense.

Participaram da pesquisa 24 crianças em idade escolar, sendo duas do sexo masculino e 22 do sexo feminino, residentes no complexo Gênesis-Moscou-Cafezinho, no município de Campinas, e que compareceram às aulas de balé clássico oferecidas pela Associação Caliel Mendonça. O balé clássico representa não somente lazer, mas também perspectiva futura. O ambiente proporcionado pela aula de balé clássico mostrou-se eficiente para o desenvolvimento de relacionamentos sociais e a consequente formação de vínculos significativos na vida das crianças.

Após cada aula, foi proposto um tema relacionado às diversas facetas da vida dos participantes. Ao final de cada encontro, cada criança elaborou um capítulo dos seis que compuseram um livro que contava a vida de cada uma delas.

“Com uma criança você não pode fazer uma entrevista. Se você insistir, ela não vai ter falar. O balé é um disparador que o pesquisador usa para poder fazer emergir da fala da criança o que ele quer descobrir”, explica Luciana.

Os discursos contidos nos livros foram analisados de acordo com as orientações de literaturas específicas sobre pesquisa fenomenológica. Os discursos foram agrupados em quatro categorias: a criança e sua autoimagem, a criança e o balé clássico, a criança e o ambiente familiar, e a criança e o ambiente escolar.

De acordo com a pesquisa, a família surge, quase na totalidade dos discursos, vinculada a um sentimento positivo, representando uma fonte de carinho e segurança e, também, como base para a criação de uma auto-imagem positiva na criança, principalmente através do incentivo para realização de atividades, dentre elas, o balé clássico. A temática violência emerge, ora mais sutilmente, ora de modo enfático.

Entretanto, o aspecto mais evidente mostrado pela pesquisa foi a relação das crianças com a escola e a alfabetização. O reduzido vocabulário, erros gramaticais e a visível dificuldade para se expressar por meio da escrita, presentes nos textos produzidos pelas crianças, foram notáveis. Das 24 crianças que participaram do projeto, duas estudavam em escolas privadas. E a diferença dos textos era enorme, comparado com as que estudavam em escola públicas. Dessas, uma estava no quinto ano do ensino fundamental e não sabia nem ler e nem escrever.

“A própria criança falou que não sabia escrever e nem ler, mas que queria participar. Ela disse: vou fazer um desenho e um ditado para vocês escreverem. Essa criança e a mãe estão sendo acompanhada pelo laboratório de alfabetização do Cepre. Isso mostra o quanto o ensino público está deficitário”, revelou Luciana.

A pesquisa terminou, mas as aulas de balé, não. As crianças continuam tendo aulas aos sábados na ONG da Associação Caliel Mendonça. Segundo Luciana, o trabalho chamou a atenção de uma professora de balé clássico do Instituto de Artes da Unicamp para outras formas de abordagem da dança. “O balé parece uma coisa eletista, mas ele pode colaborar com outras coisas, além de postura e disciplina”, comentou Luciana.

 

Texto: Edimilson Montalti - ARP-FCM/UNICAMP

Foto: Divulgação