A Neuromuscular na UNICAMP
O planejamento da Neuromuscular da FCM-UNICAMP teve início no final dos anos 1970, época em que além da clínica, os métodos complementares de ponta para o diagnóstico das Doenças Neuromusculares eram a Eletroneuromiografia (ENMG) e as Biópsias de músculo e de nervo periférico. Nenhum deles era desenvolvido na Instituição, motivo que me levou a buscar competência em ENMG na Faculdade de Medicina Louis Pasteur, Estrasburgo, França, sob a supervisão dos Profs F Isch e M Jessel. Pouco antes, Luciano Queiroz buscou aperfeiçoar-se em neuropatologia, com vista a desenvolver as técnicas de biopsias, as quais incorporavam apenas a histoquímica, tendo como orientador de PhD o Prof. L Duchen.
Em Estrasburgo atuei como Assistente Estrangeiro e defendi o Mémoire sobre Canal do Carpo, às vésperas da volta ao país. A volta à UNICAMP (outubro de 1981) foi decepcionante, pois o aparelho de ENMG programado para compra no grande pacote financeiro do tão sonhado "novo HC" (em contraste com a antiga Santa Casa de Misericórdia de Campinas, sede da FCM à época), o planejado eletromiógrafo da marca Dysa, foi preterido por alegada restrição de verbas.
Apesar do duro golpe, havia a clínica "sempre soberana" e em 1982 teve início efetivamente o Ambulatório de Doenças Neuromusculares, assim como a realização das primeira biópsias, as musculares mais numerosas que as de nervo sural. Os espécimes a fresco, embebidos em soro fisiológico, eram levados ao laboratório de Anatomia Patológica para serem processados pelo competente Ismael e, depois por Léia, cujo trabalho ainda pode ser apreciado revendo antigas lâminas. Para compensar a perda mencionada, adquiri um aparelho Medelec TD20 portátil que serviu para avaliação de inúmeros pacientes do HC. Graças ao Prof. Pinotti, a FCM adquiriu um Polimed PL 1002, portátil e nacional, para satisfação dos residentes e minha.
Na Neuromuscular da FCM-UNICAMP o trabalho assistencial, primeiramente no Ambulatório e depois na ENMG foi sempre árduo (?mais que nos dias de hoje?), porque uma referência além de regional. Entretanto, com o entusiasmo dos residentes mantivemos discussões, reuniões de lâminas, aulas ou seminários, apresentação de trabalhos e participação em congressos e eventos da especialidade. A partir de 1984, criamos a Residência Opcional (R4) em Doenças Neuromusculares e, em 1988, convertida em R4 de Neurofisiologia Clínica, área de ENMG.
Docente e residentes lutávamos para fazer bom trabalho e, apesar da contínua e sempre presente restrição de insumos, a motivação pessoal nos impulsionava a buscar conhecimento e respostas em livros (aquisição pessoal) e artigos da especialidade (graças à Bireme); em cursos promovidos pelo saudoso Prof. José A Levy, líder da Neuromuscular na USP-SP e das Jornadas e Simpósios organizados por ele e Prof. Lineu Werneck. Desse modo, nos juntamos a outros colegas da emergente Neuromuscular nacional. Em setembro de 1991 a UNICAMP sediou a VIII Jornada de Moléstias Neuromusculares, atividade científica máxima da Sociedade Brasileira de Doenças Neuromusculares e do Grupo de Trabalho de Moléstias Neuromusculares da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), embrião do atual Departamento Científico da ABN que manteve o nome.
Em setembro de 1990 pude participar do VII Congresso Internacional de Doenças Neuromusculares, em Munique, Alemanha, presenciando o lançamento da revista Neuromuscular Disorders, tendo recebido gratuitamente o fascículo 1 do vol 1, que conservo na estante, para recordação de um marco histórico. Pelo congresso e a citada revista já era possível vislumbrar o papel da genética no conhecimento fisiopatogênico das doenças neuromusculares. Que distancia imensa entre o mundo real da FCM e o desenvolvimento da Neuromuscular mundial... mas, o caminho se faz ao caminhar e, tendo um norte, seguimos...
A pós-graduação da FCM, relativamente nova à época, permitiu meu doutorado (1992) tendo como tema nossa coorte de distrofia muscular congênita e, a partir daí pude orientar novos interessados na especialidade. As teses defendidas adicionaram avanços na Neuromuscular local, como a técnica de avaliação do ramo cutâneo dorsal o nervo ulnar, incluída na prática do Laboratório de ENMG, a realização de biopsia de pele para exame de fibras nervosas e a genética molecular na distrofia miotônica tipo 1. Destaque para a atuação de Solange Garibaldi e Beatriz Pfeilsticker, ambas PhD, que ampliaram o time da Neuromuscular como competentes e preciosas colaboradoras, de fato professoras, atraindo novos residentes. O Laboratório de ENMG foi sendo ampliado com um Nihon Kohden, um segundo e um terceiro aparelhos. Na história mais recente, a avaliação neurofisiológica autonômica e a eletromiografia de fibra única ganharam espaço.
Importante salientar que no programa de R4, além da clínica e da ENMG sempre buscamos integrar, ao menos em teoria, os conhecimentos dos demais métodos de diagnóstico e os tratamentos atualizados em Neuromuscular, contudo, em contraste àqueles disponíveis na prática real, com maior ou menor sucesso, a bem da verdade.
Com a tese de doutorado do hoje Prof. Marcondes C França Jr houve a efetiva implantação da genética na pesquisa, docência e assistência na Neuromuscular da FCM-UNICAMP que se tornou mais completa e competitiva em nível nacional e internacional. As perspectivas de tratamentos eficazes em Neuromuscular vão revolucionado a especialidade. Com os progressos apontados chegam residentes motivados, competentes e produtivos, alguns vão se tornando pós-graduandos, mestres e doutores, outros, especialistas. Hoje é impraticável nominá-los, porém graças a cada um, o sonho da Neuromuscular da FCMUNICAMP virou realidade.
Excelente curso on-line a todos.
Profa. Anamarli Nucci
Setembro de 2020