Em uma sociedade que vive 24 horas, sete dias por semana, o coronavírus chega para desafiar valores, mudar comportamentos e questionar decisões individuais frente ao interesse coletivo. Não se trata de histeria. O que atualmente experimentamos não tem precedente na história da humanidade.
Na perspectiva da saúde pública, estamos aprendendo sobre uma nova doença e suas formas de prevenção e tratamento. Medidas restritivas importantes têm sido adotadas em todo o mundo, incluindo no Brasil. Muitos acreditam que o coronavírus é o “vilão” da vez, mas, talvez, a desinformação, o individualismo, o desgoverno e os interesses do mercado sejam ainda mais virulentos.
A desinformação é uma moeda de duas faces, a do pânico e da negação. É a primeira vez que enfrentamos uma pandemia com uso de redes sociais e, como temos visto, comunicar mais não é, necessariamente, comunicar melhor. Precisamos desenvolver estratégias mais inclusivas, para além das classes sociais com acesso a lenços e máscaras descartáveis ou álcool gel. Precisamos considerar as desigualdades sociais e os mais vulneráveis.
Apesar do desinvestimento do atual governo na área de saúde e de declarações mais focadas na economia, é preciso lembrar que o SUS sobrevive, sendo a grande esperança na contenção da pandemia, não apenas para 75% da população, que usa exclusivamente o sistema, mas de todos os cidadãos brasileiros. A sociedade espera que o desgoverno que se apresentou nos primeiros dias desta crise, seja revertido urgentemente em sensatez e recursos para que o SUS possa cumprir seu relevante papel social.
Finalmente, o mercado ruge frente ao coronavírus. O dólar sobe, as bolsas caem, o risco de recessão é real. Por que se preocupar com isso? Porque frequentemente os interesses econômicos se contrapõem às medidas sanitárias e, com isso, o número de expostos aumenta desnecessariamente porque o trabalho tem um papel central na vida das pessoas.
Definitivamente, isolamento e trabalho em casa (home office) não são uma opção para todos. Nos últimos anos, a fragilização dos vínculos empregatícios no país criou uma legião de trabalhadores vulneráveis que não pode se dar ao luxo de ficar em casa. Segundo o IBGE, o trabalho informal alcança 41,1% da população economicamente ativa, somando 38,4 milhões de pessoas. Desses, 24,2 milhões são trabalhadores autônomos e mais de um terço vivem do trabalho precário apoiado em plataformas, como motoristas ou entregadores por aplicativos que acabam mais expostos ao coronavírus.
Esta desregulamentação das relações de trabalho se mostra particularmente perversa em um cenário de pandemia. Enquanto muitos ficam protegidos em casa, outros tantos tomam um risco adicional. Cada vez que alguém pede uma pizza, um entregador sai para a rua. Que tal cozinhar mais em casa? Se você contrata uma diarista, que tal garantir seu pagamento enquanto durar o isolamento social? Com o fechamento das escolas e creches como planejar o cuidado dos filhos daqueles que dependem do sustento por dia trabalhado? É hora de pensar em políticas públicas como isenções de contas (água, gás, luz) e oferecer suporte financeiro temporário para os trabalhadores mais vulneráveis. Em longo prazo, repensar a regulamentação das relações de trabalho seria mais sustentável.
Os trabalhadores da saúde, incluindo médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos e muitas outras profissões envolvidas no cuidado, merecem atenção especial. Esses profissionais precisam de proteção adicional.
É preciso garantir fornecimento adequado de equipamentos de proteção individual, como óculos de proteção, luvas, máscaras e aventais descartáveis, além de tomar medidas de proteção coletivas mais eficientes, como desinfecção de ambientes contaminados, manejo adequado do fluxo de pacientes, minimização de contatos de risco.
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde publicou orientações para ambientes de trabalho em geral, que podem ser resumidas em 12 passos, adaptados a seguir. Importante adequá-los de acordo com diferentes cenários:
Veja mais informações sobre esse tema em publicação da Organização Mundial de Saúde.
Marcia Bandini e Sergio De Lucca são docentes da Área de Saúde do Trabalhador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp