Emoções e reflexões no instante de um poema

ISSN: 2595-9050

Data de publicação

08 out 2019

Ano 2019 - Vol.12 N.4

Regina Maria Innocêncio Ruscalleda desde criança aprecia escrever. Ao longo da vida, percebeu como os poemas brotavam e desabrochavam de forma sutil, incontrolável, e suas mãos somente obedeciam. Assim surgiram vários, a partir de sentimentos, valores, memórias, reflexões, inquietações, fatos, indignações, entre diversos temas desencadeadores da inspiração.
Recentemente, Regina lançou o livro de coletânea Passageiro do instante, publicado pela editora Appris. O título do livro expressa uma das principais inquietações que professora da FCM sente em relação à rapidez com que cada momento flui na vida, o quanto esta é forte e frágil, e deve ser valorizada e compartilhada com outrem.
“Diversos temas são abordados, entre eles a passagem dos seres humanos neste fragmento do tempo. Reflexões sobre o quanto a vida é efêmera, fugaz, e a observação da tentativa frenética dos indivíduos em aprisionar cada momento, unindo passado, presente e futuro”, diz Regina, que selecionou cinco poemas para o Boletim da FCM.

Passageiro do instante

Sou e estou
no minúsculo segundo do instante.
O futuro habita ao lado,
invade apressado,
lança-o para trás,
veste-o de passado.
O presente existe
no milimétrico tempo,
que a voraz serpente
devora, digere e expele.

Missionário

Sou um missionário.
Mendigo esmolas aos ricos.
Oferto pães aos famintos,
água límpida aos sedentos.

Costuro corações despedaçados.
Alivio feridas profundas.
Teço vestes para corpos nus,
tendas e leitos para desabrigados.

À noite, apascento-me,
o silêncio me envolve,
as estrelas me cobrem,
adormeço o sono dos justos.

Lágrimas

Corredeiras,
sulcam fendas, feridas
no rosto inerte,
gotejam apressadas,
nos pés descalços.

Salgadas,
dispersam a dor
premente,
salvam a alma
incontida.

Molhadas,
inundam a fala
trêmula,
sufocam a voz
muda.

Sonoras,
cantam rouxinol e cotovia.
Dupla mensageira
entregam os sigmanacis
de tristeza e alegria.

Amor

Onde está você,
plantei meu coração.
Bandeira hasteada,
acena trêmula,
acariciada pelo vento.

Onde está você,
habita meu pensamento.
Ave migratória,
voa longe,
ao vê-lo, se acalma.

Onde está você,
pulverizei minha alma.
Menina introspectiva,
abraça a vida,
transformada em amor.

Árvore

Sou uma árvore centenária.
Nasci da semente trazida de longe, pelo vento.
Banhada por sol e chuva, cresci lentamente.
Minha copa uterina e generosa aninhou aves.
Ouvi minúsculos ovos eclodirem em pássaros.

Viajantes exaustos sentaram aos meus pés.
Enamorados tatuaram meu corpo,
com nomes e frases de amor.
Meus frutos nutriram a fome de quem os tocou.
Meu tronco gerou resinas de fragrância impar.

No outono, filhas-folhas, de mil cores,
teceram tapetes de Corpus Christi.
Se me dissecares, saberás minha idade,
sabiamente revelada, em múltiplos anéis.
Estou aqui a contar histórias para quem quiser.