Eu não sei muito sobre aqueles dois pés de manga da FCM. Meu primeiro contato com eles aconteceu durante a matrícula, no dia 11 de fevereiro de 2015. Naquele dia, mais cedo, o circular me levou da Faculdade de Educação, onde havia desembarcado da minha carona, para a Faculdade de Ciências Médicas. “Moço, esse ônibus passa na Medicina?” – o motorista acenou que sim e subi. Eram tantas novas paisagens, que não me recordo do caminho que tomamos, até passarmos pela Biblioteca da FCM, na Avenida Adolfo Lutz - disso eu lembro bem. Meu coração acelerou: “Devo estar chegando.” Um pouco mais à frente, quando ainda era mão virar à direita, entramos na Rua Albert Sabin, e desci logo em frente ao portão 1 da FCM. “Está acontecendo”.
Sob aquele sol ardente campineiro, o céu azul e a rota das aves, eu e meus colegas éramos recepcionados por aquela nova e tão diferente vida que nos aguardava. Sentei no banco localizado embaixo de uma das mangueiras, mais distante da multidão, e olhei todo aquele movimento. Eu nunca havia visitado a Unicamp, mas, ainda assim, ela não deixava de protagonizar meus sonhos de vestibulanda.
Como é possível sonhar tanto com um lugar que eu nem conhecia?
Foi embaixo daquela mangueira que fiz minha primeira amiga da faculdade. Uma mulher espetacular, criativa e sensível, que hoje segue um novo caminho em sua vida. Com ela, nos dois primeiros anos da graduação, passamos muitas madrugadas juntas, estudando, comendo, rindo e chorando –, mas o estudo rendia, garanto. Ali, também, nosso grupo combinou a apresentação do nosso primeiro trabalho de Ética. Era o comecinho de tudo, ninguém se conhecia direito e eu não tinha coragem de chamar as pessoas pelo nome porque confundia todo mundo. À sombra daquelas mangueiras me acalmei, minutos antes da apresentação do projeto de IPC, ao final do primeiro semestre, pois a ideia de falar em público assustava bastante. Naqueles bancos, chorei pela morte do meu cachorro e pelo final do meu namoro e, em outro momento, ali também – bem mais de uma vez, chorei de rir. Durante a greve de 2016 e os acontecimentos de 2018, ali ocorreram muitas reuniões entre membros da comunidade FCM, com diversos pontos de vista, discussões, desabafos e aprendizados. Uma vez, uma colega e eu tentamos subir na mangueira localizada mais próxima da Lego – não façam isso, as formigas de lá são ferozes.
Casais reunidos, pessoas dormindo, alguém escutando uma música, lendo um livro. Em pleno calor intenso de Barão de Geraldo, muitas pessoas deixam o potente ar condicionado do saguão do Anfiteatro 1 de lado, para habitar aquele espaço das mangueiras da FCM. Grandes grupos de pessoas ou solitários, há sombra para todos. Eventualmente, uma brisa refresca o ambiente. Habitualmente, alguma ave passa cantando por ali. Encontramos professores, colegas e funcionários. Prestamos atenção na forma como aquele docente tão admirado anda e cumprimenta as pessoas, percebemos a rotina dos funcionários e os hábitos e vícios de outras pessoas. Calangos passam correndo e, quando damos sorte, conseguimos ver um parado se aquecendo, mas eles são bem assustados. Muitas ideias de projetos, estudos, dúvidas respondidas, novas Ligas Acadêmicas, propostas de eventos e lembretes para respostas de e-mails acontecem lá. Quando chove, as mangueiras nos abrigam das gotas de água e nos propiciam aquele momento refrescante do dia.
Passou o intervalo, o horário de almoço ou a hora do café - de volta à rotina. Da pausa para a reflexão, direto para a ação. Continuamos nossas tarefas, repletas de esforço, doação e, muitas vezes, frustração. Moldamos nossa formação de acordo com nossos valores e vivências, encontramos exemplos de profissionais e mentores. E crescemos, como crescemos. Passamos a admirar colegas e a sermos admirados, mesmo que ainda nos sintamos no dia da matrícula de 2015. O tempo passa, os estágios nos Centros de Saúde e em Sumaré nos afastam das mangueiras, mas, eventualmente, voltamos para lá. No internato, com a sala dividida, ter uma aula na Legolândia ou no Salão Nobre é um evento social. Rever amigos da turma e, com sorte, calouros e veteranos. Rever alguns professores que estão tomando café na cantina e os funcionários da Faculdade que por ali passam. E ali voltamos para as mangueiras, onde tudo acontece. Seja o início ou o desfecho de alguma história ou reflexão; seja um encontro de turmas, sessão de fotos do Dia do Branco, Aula da Saudade ou dia da matrícula, inúmeras gerações andam e andaram por lá – outras tantas andarão. Às vezes, como muitos detalhes da vida, esquecemos de perceber e, apressados, passamos pelos bancos das mangueiras e nem damos conta de que elas são cenários e testemunhas vivas da história de nossa faculdade e da história de nossas vidas. Eu não sei muito sobre aqueles dois pés de manga da FCM, mas eles sabem muito sobre mim. E sobre vocês também.
Patricia Ramos Abi Saber Carlotti Zarpelon
Aluna do 5º ano do curso de graduação em Medicina
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