No Brasil, os transtornos mentais relacionados ao trabalho ocupam o terceiro lugar nos afastamentos da população economicamente ativa e contribuinte da Previdência Social. Em 2013, o número de benefícios com afastamento do trabalho superior a 15 dias com diagnóstico do grupo de transtornos mentais e comportamentais foi de 228.879 casos, distribuídos em benefícios previdenciários. Cerca de 6.141 casos foi associado, diretamente, aos trabalhadores do setor bancário.
Além da sobrecarga de trabalho, existe no setor bancário o risco de assaltos e sequestros com objetivo de obter dinheiro dessas instituições. Essa situação pode desencadear transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na vítima e culminar no afastamento do trabalhador, além de trazer sérios prejuízos emocionais para os colegas de trabalho envolvidos afetivamente e convivendo com o medo de virem a ser a próxima vítima.
Pesquisa conduzida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp procurou compreender a psicodinâmica dessas ocorrências a partir da percepção de bancários, bem como se aproximar da vida desse trabalhador, de seus processos psicossociais e sua relação com o trabalho antes e após os sequestros.
Foram realizadas entrevistas com bancários vítimas de sequestro. A amostra teve a participação de quatro bancários que possuíam acesso ao cofre da instituição bancária, sendo dois homens e duas mulheres, de bancos públicos e privados, que passaram pela experiência do sequestro no período compreendido entre 2012 e 2014. Os sujeitos foram selecionados a partir da indicação do Sindicato dos Bancários de um município do interior de São Paulo.
De acordo com a pesquisa, tratando-se do sequestro de bancário, a intimidação ultrapassa os limites do espaço laboral e invade o espaço privado das vítimas. Nesse tipo específico de violência, os sequestradores investigam por meses a vida e a rotina do bancário: núcleo familiar e seus hábitos, trabalho, lazer. Não costumam usar violência física, mas desarmam as vítimas com o terror de saberem detalhes de suas vidas e do funcionamento do banco.
As ameaças ocorrem durante todo o tempo. Chegam a passar a noite toda com a vítima em casa, até que num determinado momento levam os membros da família para um cativeiro e continuam a pressão até o amanhecer, quando o bancário deve fingir que vai trabalhar normalmente, roubar o dinheiro do cofre e entregá-lo aos sequestradores em troca da vida de seus familiares. Os sequestradores abusam dessa vulnerabilidade familiar, explica Graziella Ferrari de Medeiros, uma das autoras do estudo.
Os entrevistados relataram sobre seus traumas, a invasão de suas residências por homens fortemente armados, às vezes encapuzados; sobre o que poderia vir a partir daí: torturas, tiros, mutilações, violência sexual às filhas, para onde levariam a família, o que aconteceria se não conseguissem pegar o dinheiro do banco e entregá-lo aos sequestradores.
Com o fim do sequestro, depois de passar longo tempo sob intensa pressão, a vítima e sua família desejam suprir suas necessidades básicas (descansar, comer, tomar banho) e procurar apoio de outros familiares ou amigos próximos, porém nesse momento precisam prestar depoimento na Delegacia de Polícia e retornar à agência para explicar ao banco a credibilidade dos fatos, estendendo a sensação de violência.
Diante desse cenário, o desenvolvimento de TEPT foi uma consequência inevitável, tendo como principais características o reviver o evento por meio de pensamento e reações físicas, a evitação persistente de coisas que lembrassem o trauma, como voltar ao local de trabalho onde tiveram que roubar o dinheiro para os sequestradores e a sensação de risco constante durante período prolongado, diz Ana Carolina Lemos Pereira, que também colaborou na pesquisa.
A principal característica da experiência com o sequestro é o desamparo dos trabalhadores com respeito à organização, à vida familiar e às condições gerais de existência. Trata-se de episódios que despedaçam a representação social do que significa ser um bancário comprometido com os valores organizacionais de confiança da instituição e dos próprios colegas de trabalho, que o tinham como referência, e da perda de identidade nas relações familiares e do seu próprio “eu”.
“Nesse sentido, o adoecimento das vítimas permanece na penumbra e sob o manto da invisibilidade, além de reforçar práticas organizacionais que não zelam pela segurança e saúde dos trabalhadores. Trata-se de uma questão de saúde pública, e a divulgação desse estudo é fundamental para começar a lançar luz sobre uma problemática que está camuflada pelas instituições financeiras em todo o mundo, dado reforçado pela escassez de produção científica sobre esse assunto, o sequestro de bancários”, conclui Juliana Luporini do Nascimento, orientadora do estudo.
Artigo: Sequestros de bancários e seus impactos psicossociais e na saúde do trabalhador
Autores: Graziella Ferrari de Medeiros, Sérgio Roberto de Lucca, Ana Carolina Lemos Pereira e Juliana Luporini do Nascimento
Publicação: Revista Brasileira de Medicina do Trabalho
Texto: Edimilson Montalti